CANDIDO PASSOS
Poeta alagoano do final do século 19, atuante em jornais de província, hoje praticamente desconhecido.
DESAMOR DE DESCRENÇA
Amei dos brincos, do sorrir da infância
Doce fragância que o prazer me dera;
Dormi no leito de visões formosas,
Já venturosas ilusões tivera.
Amei uns olhos, uma loura trança,
Louca esperança que a paixão doou-me,
Cruento anjo adorei na vida,
Fada perdida que o porvir roubou-me.
Amei nos laços de fiel pureza,
Tôda a beleza que a natura tem,
E as falsas glórias que idolatra o mundo,
Amor profundo consagrei também.
Crera nos olhos da mulher em sonhos,
Punhais medonhos que a maldade encerra
Crera em seus votos, mentirosas juras,
Pensei doçuras encontrar na terra.
Crera no ouro, se um poder nefando.
Torpe e execrando, para todos nobre;
Crera nos homens na falaz virtude,
Mantilha rude que a baixeza encobre.
Dos mil enganos do viver cativo.
Buscara altivo da ventura a palma,
No exercício de paixões intensas,
Crenças, mil crenças acolheu minh'alma.
Mas hoje, hoje desprezara tôdas,
Ilusões doudas, de fatais belezas.
Bem semelhante a nutridos vários,
Sonhos falsários a fingir certezas.
Então, aos golpes do sofrer constante
Num curto instante me tornara afeito:
Se agora sofro, já não gemo — canto,
Que a dor do pranto regelou meu peito.
O mais terrível me parece airoso,
O tenebroso me equivale ao lindo...
Não me comove.. . Na existência fátua,
Sou como a estátua num bulício infindo...
Pra mim queixumes já não há lamentos,
Pra mim tormentos já não há na sorte,
Pra mim torturas já não há cilício,
Duro suplício, nem sofrer, na morte!
Que importa o fel a quem tragou mil vêzes,
Até às fezes, do tormento a taça?
Que importa a parca a quem suporta rindo
O golpe infindo de cruel desgraça?
Riam-se todos do tormento averno,
Que o fado eterno sôbre mim atira.
Que eu também rindo, do mortal enxame,
Do riso infame zombarei na lira.
Não quero palmas, nem desejo louros,
Falsos tesouros de altivez mentida!
Não quero brilho de eternais memórias,
Amor e glórias, ilusões da vida!
Já nada quero! aspirações, venturas,
Gôzos, ternuras, emoções perdi!
Sou da descrença requintado escudo,
De tudo, tudo de uma vez descri!
Fatalidade!. .. vêzes mil eu sinto
De sangue tinto teu punhal tirano. . .
Alas... não me aterro que minh'alma augusta,
Não se assusta com o horror mundano.
Em forte bronze se tornou meu seio:
Hoje não creio nem nas próprias dores!
Nem os tormentos nem o prazer me agitam,
Não mais habitam no meu peito amores!
Página publicada em janeiro de 2016.
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