Foto    Isaac Amorim/ACS/MJ  
                      
                      ROBERTO  EVANGELISTA 
                        
                      Nascido  em Cruzeiro do Sul (Acre) e criado em Manaus (AM), o publicitário e artista  plástico reconhecido internacionalmente, Roberto Evangelista, é, segundo o  jornalista Ruy Fabiano, “um poeta de instalações e tem o dom da síntese. Maneja  o haicai como um samurai ao sabre, e em seu segundo livro apura a sua maestria  na escolha da palavra exata para desferir o golpe preciso, no momento  inadiável”.  
                      Os  haicais aqui publicados foram extraídos do livro citado, Mínimas Orações. 
                        
                      (Página  preparada e enviada por Angélica Torres Lima) 
                        
                      
De MÍNIMAS ORAÇÕES  
                      (Ed. Martins e  Cordeiro, 2007)  
                        
                      Corais sargaços 
                      estrelas e liquens nas 
                      tuas mãos em concha  
                      
                      Engolir sapos filhos? 
                      Saltamos alto 
                      ao digeri-los  
                      
                      Ah essas crianças  
                      primaveris outonos 
                      e invernos verão!  
                        
                      (de Bashô:)  
                      Bashô luz súbita! 
                      Fundiram-se os 
                      circuitos lógicos  
                        
                      Ao velho mestre  
                      bastam o bastão e a  
                      mínima oração 
                        
                      O haicai é o  
                      máximo quando 
                      mínimo ilumina  
                        
                      (de Estação  das Águas:) 
                        
                      Aos troncos trancos 
                      e barrancos um rio 
                      alarga o seu leito  
                        
                      Lençóis cinzentos 
                      no céu... Logo a terra 
                      se cobrirá de água  
                        
                      Chove a cântaros... 
                      Alguém é levado 
                      para dentro de si  
                        
                      (de Flores, Frutos  e Bambus:)  
                      
                      Árvore sem nome 
                      e sem frutos Que delícia 
                      de sombra!  
                        
                      Por que tão 
                      amargos os últimos 
                      frutos da safra?  
                        
                      As amapolas 
                      quando colhidas papéis 
                      de seda picados?  
                        
                      Ávido amor: 
                      mais flores houvesse 
                      o beija-flor as sugaria  
                        
                      (de Utilidades  Domésticas:) 
                        
                      A luz crepuscular 
                      incide sobre a chaleira: 
                      lua cheia  
                        
                      Garfo e faca 
                      engalfinham-se à mesa 
                      A colher pacifica  
                        
                      Tempera-te bem 
                      até o recheio ficar 
                      suave e consistente  
                        
                      Quanto tempo 
                      diante do espelho, filha!? 
                      Não te enxergas!? 
                        
                      (de Estações  do Sentir:)  
                     
                       
                      Por que a música 
                      de Glass soa assim: 
                      tão cristal e terminal?  
                        
                      Novos sabores 
                      se provam da releitura 
                      madura de um livro 
                         
                      Por essa trilha 
                      escura é o dia 
                      que procuras?  
                        
                      Esses olhos 
                      janelas d’alma conhecem 
                      o interior da casa?  
                        
                      Quanto sentimento 
                      salta do olho do peixe 
                      mesmo frito!  
                        
                      Prazeroso é pisar 
                      em folhas secas com 
                      pés de criança 
                        
                      (deVerão  Espanha:)  
                      para  Joan Brossa 
                        
                      Um só cadarço 
                      e um só laço para 
                      um par de sapatos  
                        
                      No campo verde 
                      o vento sopra ondas 
                      de margaridas 
                         
                      Roadway: rush 
                      fim de tarde e o grasnar 
                      de um pássaro à margem  
                        
                      (de Jardins  e Afins:)  
                        
                      Em volta da 
                      cerejeira em flor 
                      libélulas fazem amor  
                        
                      Flores germinadas? 
                      Qual nada! Borboletas 
                      camufladas!...          
                        
                      A mão que planta 
                      sabe da integridade 
                      da semente?  
                        
                      Coaxos e cricris 
                      invadem devagar a 
                      terra crepuscular  
                        
                      Vagas de vaga-lumes 
                      ou a via láctea 
                      no breu da mata?  
                        
                      (de Infância) 
                        
                      Os pés no riacho 
                      e um frescor subindo 
                      à cabeça... 
                         
                      O relâmpago 
                      flamejante grafitou 
                      o mural da noite  
                        
                      Esse pé de vento 
                      não me cansa: 
                      fui parar na infância  
                        
                      (de Ofertório:) 
                        
                      para  Thiago de Mello, poeta e mestre  
                      na  arte de empinar papagaios 
                        
                      Papagaios e curicas 
                      trançam no céu meu 
                      zôo de papel!  
                        
                      para os  irmãos Campos 
                        
                      Somos todos nós: 
                      uns tão frouxos uns tão 
                      cegos outros no cós  
                        
                      para  Ghandi 
                        
                      Ao perceber a mãe 
                      em todas as mulheres 
                      iluminou-se!  
                        
                        
                      (de Estações  Quente e Úmida:) 
                        
                      Noite calorenta... 
                      Ainda bem o frescor 
                      da lua cheia  
                        
                      No cerrado  
                      esturricado o pé do ipê 
                      amarelo vibra  
                        
                      (de Velhos e  Bichos:) 
                        
                      O artesão ausente: 
                      silêncio e ordem 
                      nas ferramentas  
                        
                      O voo poente 
                      das andorinhas 
                      curva o horizonte  
                        
                      Voo de garças 
                      em diamante: altíssima 
                      geometria  
                        
                      Entre o céu e a 
                      terra passam pássaros 
                      ficam traços 
                        
                        
                      
                      ANDRADE, Rômulo. Artistas pela natureza.   Brasília: 1987. Silk printing.   Folio com capa  em papel artesanal  por Cecílis Segré. 34,5x48 cm.  Edição de  100 exs. 6 gravuras numeradas e assinadas pelo artista plástico Rômulo e haikais de Roberto Evangelista escritos a lápis e  assiandos pelo autor na parte final de cada uma das seis gravuras. Coleção  exibida pelo Center for Book Arts, New York em diversas mostras itinerantes  –Latins American Book Arts nos Estados Unidos e Canadá. Livro de arte.   
                        Col. Biblioteca Antonio Miranda. Exemplar 28/100.   
                        
                        
                                         Pulsar, ah o pulsar 
                     E cada coração 
                     é  uma estrela 
                        
                        
                                                  Perto da inocência 
                              sentir  a vida, Agora: 
                              fugaz  existência. 
                        
                        
                                         Venho do fundo das Eras 
                     quando  o mundo ainda nascia 
                     sou  tão antigo e tão novo 
                     como  a luz de cada dia 
                        
                                                  O  poeta – Quintana 
                        
                                                   
                                                  Dentro  da noite veloz 
                              o  sol prepara 
                              a  nova aurora 
                                
                                                           Pintoandrade 
                        
                      O viajante deita 
                        e no sono, continua 
                        a caminhada. 
                        
                        
                                Terna  música eterna 
            vem  nos acordes 
            um  sereno de luz. 
                        
                                         Pintoandrade 
                        
  
ANDRADE, Rômulo. Artistas pela natureza.  Brasília: 1097. Silk printing.  Folio com capa em papel artesanal por Cecília  Segré. 34,5x48 cm.  Edição de 100 exs. 6  gravuras numeradas e assinadas pelo artista plástico Rômulo e um poema de Roberto  Evangelista. Coleção exibida pelo Center for Book Arts, New York em  diversas  
  mostras itinerantes –Latins American Book Arts nos Estados Unidos e Canadá.  Col. A.M. Exemplar 28/100.   
  Ex. bibl. Antonio Miranda  
 
  
Anotações  de uma pequena expedição ao lago do Arara, local situado na bacia do Rio Negro,  em plena floresta amazônica. Trata-se de uma sequência de desenhos feitos ao  longo de uma reunião de oasqueiros no ano de 1986, época de chuvas diluvianas.  São imagens do interior dos tapiris (casa de palha), dentro da grande floresta.  Sua presença se insinua no padrão das redes indígenas, típicas da região e na  atitude das pessoas em contato com uma qualidade de energia tranquilizadora e  revigorante. É a ocasião de encontros e intercâmbio de experiência, renovação e  afirmação de valores de uma tribo que desta maneira reforça a sua identidade.  
  
Em fevereiro, 1986, 
  um naturalista sobe o rio Negro. 
  O artista navega. 
  Coletam flagrantes notáveis: 
  homens urbanos em contato 
  com a natureza, 
  homens em redes, despojados 
  do supérfluo,  
  homens pisando a terra virgem, 
  homens, tudo indica, 
  retornando aos seus primordiais 
  princípios. 
  O naturalista coleciona as cenas. 
  O artista as registra, 
  poeticamente, verdadeiramente. 
  As cores queimam, ardem 
  e deixam, salientes, doces sulcos. 
  As figuras saltam e ressaltam, vivas 
  Aliás, as gravuras (gravar alvuras?) 
  têm poder de luz 
  para ativar a mais apagada 
  das retinas, iluminar mentes 
  e corações adormecidos. 
  Tal é a sensibilidade do registro. 
  E, como todo bom naturalista 
  o artista não se atém aos atos 
  e termina por contar histórias, 
  a mais incrível das narrativas, 
  uma bela, rara e verídica epopeia: 
  a do reencontro dos filhos pródigos 
  com a mãe-natureza. 
   
  Manaus, 10 de novembro/ 87 
                 Roberto Evangelista  
  
           Pulsar, ah o pulsar... 
  E cada coração 
  é uma estrela. 
  
            Perto da inocência 
  sentir a vida. Agora: 
  fugaz existência. 
        
      Dentro da noite veloz 
  o Sol dispara 
  a nova aurora. 
  
  
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http://www.antoniomiranda.com.br/poesia_brasis/amazonas/amazonas.html  
  
  
Página  publicada em março de 2021 
                      Página  publicada em dezembro de 2010; página ampliada e republicada em abril de 2019 
                        
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