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OLINDA BEJA

(São Tomé e Príncipe, 1946)  Poeta e narradora, com vários livros publicados, dentre os quais: Bô Tendê? (poemas), 15 dias de regresso (romance), e Pé-de-perfume (contos).

 

De
Olinda Beja 
Aromas de Cajamanga
Org. e prólogo de Floriano Martins.   
São Paulo:  Escrituras, 2009.  174 p. (Coleção Ponte Velha)
ISBN  978-85-7531-340-4
www.escrituras.com.br  /    escrituras@escriturascom.br

 

QUEM SOMOS?

 

O mar chama por nós, somos ilhéus!

Trazemos nas mãos sal e espuma

cantamos nas canoas

dançamos na bruma

 

somos pescadores-marinheiros

de marés vivas onde se escondeu

a nossa alma ignota

o nosso povo ilhéu

 

a nossa ilha balouça ao sabor das vagas

e traz a espraiar-se no areal da História

a voz do gandu

na nossa memória...

 

Somos a mestiçagem de um deus que quis mostrar

ao universo a nossa cor tisnada

resistimos à voragem do tempo

aos apelos do nada

 

continuaremos a plantar café cacau

e a comer por gosto fruta-pão

filhos do sol e do mato

arrancados à dor da escravidão

 

 

POR TI

 

Por ti espero naquela roça grande

no perfume do izaquente

no sopro do vento irrequieto

no riso da montanha misteriosa.

 

Por ti espero junto ao secador

que meu avô ajudou a construir

e o cheiro do cacau

invade o corpo

que acalenta a esperança

de rever-te.

 

Espero sentada

no caminho que vai até à Grota

e serpenteio

a estrada de Belém onde as fruteiras

espreitam o sol

e o vianteiro.

 

Por ti espero

na calma do poente

entre a ânsia

e o amor que me consome.

 

A tarde vai caindo e nostalgicamente

arrastando o meu dilúvio de ternura.

 

Por ti espero ainda

no breu da noite imensa

na raiva que a paixão derrama e sangra

e é o tam-tam da madrugada que me obriga

a apagar da memória

a tua imagem

 

RAÍZES

Há rumores de mil cores enfeitando o espaço
de gorjeios infantis

transportando aquele abraço de anãs juvenis

árias que perduram na mensagem

da nossa voz e da nossa imagem.

 

São rumores de tambores

repercutindo a esperança de olhares inquietos

toada de lembranças
liturgia de afectos.

São rumores maternais
presos à terra que nos diz
que só o maior dos vendavais
arranca da árvore a raiz.


NEGBA

Passas dengosa
perfumosa
exibindo olhares lascivos

às multidões do sexo.
Balouças
a flor de lótus
que escondes no teu corpo
por entre a garridez
de tecidos virginais
e vais
deixando pólen
gostoso
africanoso
em detalhes colíricos
de afectuosas manhãs


ÉBANO

Noite sem lua no deserto que comprime
a exatidão das coisas
paradoxo ambíguo de solidão estática do astro
         inigualável

noite de breu no areal sem fim
do eterno além-fronteira
onde o nada vive acorrentado à esfinge
da nossa escuridão

flutuam estrelas mas a lua
não vem na mesma rota
das quimeras
escondeu o rosto na lagoa
onde perpétuo repousa
o despertar inviolável
da nossa cor de ébano


GERMINAL

Ó minha ilha queimada pelo sol
pelas lágrimas do vento que escorreram
das escarpas e das vidas de teus filhos

em ti repousam as cinzas das esperanças
que outrora viveram no leito de teus rios
Malanza, Manuel Jorge, Contador, Cauê...

Em ti germinam vidas repassadas
de lua e sol no cais do sofrimento
que as âncoras da vida vão soltando!

Ó minha ilha adocicada pela chuva
lacrimejante e pura batendo na sanzala
de todos os ilhéus sequiosos de amanhãs.

 

Página publicada em novembro de 2010

 

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