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Foto: http://revistamododeusar.blogspot.com.br/

 

CONCEIÇÃO LIMA

 

 

          Maria da Conceição de Deus Lima (Santana, 8 de Dezembro de 1961), mais conhecida por Conceição Lima, é uma poeta são-tomense natural de Santana da ilha de São Tomé, São Tomé e Príncipe. Estudou jornalismo em Portugal e trabalhou na rádio, televisão e na imprensa escrita em São Tomé e Príncipe. Em 1993 fundou o semanário independente O País Hoje. Na altura exerceu a função de directora do mesmo até a data da sua extinção. É licenciada em Estudos Afro-Portugueses e Brasileiros pelo King's College de Londres. Reside e trabalha como jornalista e produtora dos serviços de Língua Portuguesa da BBC. Já publicou poemas em jornais, revistas, e antologias em vários países. Em 2004 publicou O Útero da Casa pela editorial Caminho de Lisboa e em 2006 publicou A Dolorosa Raiz do Micondó pela mesma editorial.

 

          Lima é considerada uma poeta do periodo pós-colonial. Começou a escrever poemas na sua juventude. Em 1979, com apenas dezenove anos, viajou até Angola, onde participou na Sexta Conferência de Escritores Afro-Asiáticos. Recitou alguns dos seus poemas e era, provavelmente, a mais jovem dos participantes presentes. Conceição Lima considera esta a primeira fase da sua carreira como poeta. A segunda fase da sua carreira, começou com a publicação dos seus poemas em jornais, revistas e antologias.  (...)  Fonte: wikipedia

 

 

FRAGMENTOS POÉTICOS

 

Após o ardor da reconquista

não caíram manás sobre os nossos campos

 

E na dura travessia do deserto

aprendemos que a terra prometida era aqui

 

Ainda aqui e sempre aqui.

Duas ilhas indómitas a desbravar.

O padrão a ser erguido

pela nudez insepulta dos nossos punhos.

 

Emergiremos do canto

como do chão emerge o milho jovem

e nus, inteiros recuperaremos

a transparência do tempo inicial

Puros reabitaremos o poema e a claridade

para que a palavra amanheça e o sonho não se perca.

 

I

Transitório é este tempo que te divide

sem o saberes

transitórias as águas, os tambores quebrados

transitória a noite que à noite sucede

sem te veres

 

Transitória a pálida bruma a

ocultar-te de ti

transitório o silêncio ocupando espaços

além da tua boca

 

transitórias as pedras amargas desaguando

sem licença no litoral da aurora, transitória

a angústia das palavras ensanguentadas em tuas mãos.

Obstinado peregrino quem te acompanha além de ti?

Emissário de rios esquecidos quem te ouve?

Oh, surdas são as ondas deste mar

suspenso

entre os teus dedos e o teu sonho

 

II

Mas quem és sobre as horas caminhando?

Quem és lançando fúrias no deserto?

Quem és sobre a morte morrendo?

Sobre a morte erguendo quem és?

 

III

Pássaro de penas rotas e cintilantes

libertando na noite o tempo cativo

revolves as horas os magros celeiros

fustigas tremente o rosto dos meses

a cólera é teu argumento

o porvir teu fundamento.

À força de viver

na vida entraste

à força de sonhar criaste o sonho

tu és a voz do próprio sonho

lavrador teimoso de um tempo sem pomar

(... ...)

Moldar os dias dos frutos maduros

este é teu projecto iniciado e longo

o barro da razão que te forjou

a substância pura que te ligou à vida

 

quando aprendeste os segredos da noite

e penetraste as trevas como espada fulgurante

 

Tuas mãos tingem já de púrpura a noite

o crepúsculo é o instante supremo a claridade

 

Quem fará recuar o tempo anunciado

por tambores e águas

noite a noite sem cessar?

 

 

Afroinsularidade

 

Deixaram nas ilhas um legado

de híbridas palavras e tétricas plantações

 

engenhos enferrujados proas sem alento

nomes sonoros aristocráticos

e a lenda de um naufrágio nas Sete Pedras

 

Aqui aportaram vindos do Norte

por mandato ou acaso ao serviço do seu rei:

navegadores e piratas

negreiros ladrões contrabandistas

simples homens

rebeldes proscritos também

e infantes judeus

tão tenros que feneceram

como espigas queimadas

 

Nas naus trouxeram

bússolas quinquilharias sementes

plantas experimentais amarguras atrozes

um padrão de pedra pálido como o trigo

e outras cargas sem sonhos nem raízes

porque toda a ilha era um porto e uma estrada sem regresso

todas as mãos eram negras forquilhas e enxadas

 

E nas roças ficaram pegadas vivas

como cicatrizes — cada cafeeiro respira agora um

escravo morto.

 

E nas ilhas ficaram

incisivas arrogantes estátuas nas esquinas

cento e tal igrejas e capelas

para mil quilómetros quadrados

e o insurrecto sincretismo dos paços natalícios.

E ficou a cadência palaciana da ússua

o aroma do alho e do zêtê d'óchi

no tempi e na ubaga téla

e no calulu o louro misturado ao óleo de palma

e o perfume do alecrim

e do mlajincon nos quintais dos luchans

 

E aos relógios insulares se fundiram

os espectros — ferramentas do império

numa estrutura de ambíguas claridades

e seculares condimentos

santos padroeiros e fortalezas derrubadas

vinhos baratos e auroras partilhadas

 

Às vezes penso em suas lívidas ossadas

seus cabelos podres na orla do mar

Aqui, neste fragmento de África

onde, virado para o Sul,

um verbo amanhece alto

como uma dolorosa bandeira.

 

 

 

Página publicada em maio de 2015


 

 

 
 
 
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