VIRGILIO DE LEMOS
Nasceu na Ilha do Ibo em Moçambique em 1929. Cresceu e estudou entre Lourenço Marques e Joanesburgo. É uma das figuras fundamentais da poesia moçambicana, ao lado de Rui Knopfli e José Craveirinha. Fundador da revista de poesia Msaho em 1952, que simboliza a ruptura com a literatura colonial. No seu primeiro número figuram Noémia de Sousa, Reinaldo Ferreira e Alberto Lacerda. A sua obra conta poemas, contos e crónicas, e um estudo sobre o "barroco estético" na literatura de Moçambique. Ele teve uma parte activa na vida política e na resistência ao regime colonial entre 1958 e 1963, altura em que opta pelo exílio em França. O seu livro de poesia, Para fazer um mar, editado pelo Instituto Camões foi lançado a 31 de Maio 2001 na Feira do Livro de Lisboa, com prefácio de Luís Carlos Patraquim.
Obras do autor: Poemas do tempo presente (1960); Objet à trouver (1988); L´obscene pensée d´Alice (1990).
A Ilha e e o Segredo
Visão
colada à bruma
no infinito ponho
do rosto do eterno
a transparência Persa negro e branco
cabaias e cofiós
de seda e linho,
em pontilhado, aurora
minha utopia que sangra.
Nos mármores róseos
da fortaleza
tua consciência, livre
recria o nada.
(1952)
m’siros na menstruação
dos ventos
no desafiar das pedras
e corais,
nos desventrados barcos
és nova equação
índica, swahili,
das bocas de fome
e afiados punhais
de prata.
De
NEGRA AZUL:
Retratos antigos de Lourenço Marques
de um poeta barroco, 1944-1963
Lourenço Marques: Instituto Camões, 1999
Viagem pela rua dos casinos
(ao Fernando Ferreira / ao Reinaldo F.)
1.
A velha rua dos casinos ri-se
velha cigana, tempo
que vai a rua para dar
um ar da sua graça:
na noite, guerras de sedução,
passeiam-se velhas e jovens
putas, marinheiros, músicos,
mangas de alpaca.
Corpos que se exibem, sexos
que ejaculam,
do solitário deserto
ao imprevisível
vulcão.
L. M., 1952
2.
E nesta babilónia de gozos
frágeis luzes e amores
Insulada e cúmplice,
a noite avança pela madrugada
e o cacimbo sustém
a ironia leve das sensações
e sonhos.
O sexo, meu Amor, escreve-se
sem cadastro, almirantes
e marinheiros, Detinhas e Júlias
de garras e dedos de suruma
suspensos entre tua savana
de indecifráveis línguas
e meu ideado fogo.
3.
Pelas tuas costas, colinas,
tuas ancas, latejam
leitosas, as asas do abandono,
cessa a vida, morre o canto
e a noite é
a cintilação dos murmúrios
a musicada vertigem
do silêncio.
L.M., 1952
Página publicada em setembro de 2009
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