ORLANDO MENDES
(1916-1990)
Escritor moçambicano, Orlando Marques de Almeida Mendes nasceu a 4 de Agosto de 1916, na ilha de Moçambique. Licenciou-se em Ciências Biológicas pela Universidade de Coimbra, onde foi assistente e onde se revelou poeta e prosador. Pertenceu aos quadros dos Serviços de Agricultura, foi fitopatologista e Funcionário do Ministério da Saúde.
Profundamente influenciado pelo neo-realismo português, o poeta, romancista, dramaturgo, crítico literário, colaborou em diversos jornais moçambicanos e estrangeiros e produziu uma vasta obra literária, como Trajectória (1940), Portagem .(1966), Um minuto de Silêncio (1970), A Fome das Larvas (1975), Papá Operário mais Seis Histórias (1983), Sobre Literatura Moçambicana (1982), entre outros. Recebeu o prémio Fialho de Almeida , o dos Jogos Florais da Universidade de Coimbra (1946) e o primeiro Prémio de Poesia no concurso literário da Câmara Municipal de Lourenço Marques. Em 1990, Orlando Mendes faleceu em Maputo.
Fonte: www.infopedia.pt
TEXTOS EM PORTUGUÊS / TEXTOS EN ESPAÑOL
UNIFORME DE POETA
Ajustei minha cabeleira longa,
coloquei-lhe ao de cima meu
chapéu de coco em fibra sintética,
sacudi a densa poeira das asas encardidas
e, dependurada a lira a tiracolo,
saio para a rua
em grande uniforme de poeta.
Tremei guardas-marinhas,
alferes do activo em
situação de disponibilidade:
meu ridículo hoje suplanta
o vosso e nele se enleia e perturba
o suspiro longo das meninas
romântico-calculistas.
JUVENTUDE
É no tempo dos explícitos cantares
à luz do dia e na escuridão da noite
até uma explosiva prova de acção.
É o tempo das dúvidas inconfessáveis
os cigarros ardendo e o café já frio
e o rosto impassível atrás do jornal
contra a devassa de anônimos vigilantes.
É o tempo dos assaltos ao trânsito
imaginando as máscaras arrancadas
e a beleza de a riqueza como seriam
se não coexistissem incólumes com
ignorância e miséria e violência.
É o tempo da solidão entre as gentes
e de solitário sentir a multidão na savana.
É o tempo de não ter fé e crer ainda
na dádiva total por um beijo de amor
e pela sinceridade dum aperto de mão.
É também o tempo de receber-transmitir
uma secreta raiva chamada esperança.
Tempo que o pudor adulto faz caducar.
EXORTAÇÃO
"Jovem, se tens exercícios de literatura
escritos há mais de um mês, destrói-os.
Rasga-os ou queima-os de preferência
(consta ser universalmente mais ortodoxo)
e se a chama te chamuscar unhas e pele
e as sujar a cinza, não queixes a dor
e lava-te. Destrói-os. Guarda-os todavia
fiéis na memória, palavra por palavra,
para que possas transmiti-los a um amigo
quando depois do venal acto de amor
forem também vender a irresistível suspeita
da tua voz trémula e dos teus outros actos.
Mas não deixes de escrever. Peço-te que não."
DEDICATÓRIA
Aos poetas que pensam e dizem versos
mas não os sabem escrever
e por isso anónimos lhes chamam.
Nas rochas corroídas pelo sal de outros mares
navegados para implantar espada cruz e poder
nas rochas onde o luar desnuda o silêncio
pulsando canções da noite assim povoada
e que o sol inflama e semeia
sobre as efémeras gostas de cacimba
renovadas com cintilações das estrelas,
aí eu gravarei seus nomes.
E os amantes pressentindo
os hão-de perguntar e saudar.
TEXTOS EN ESPAÑOL
Traducción de XOSÉ LOIS GARCÍA
UNIFORME DE POETA
Arreglé mi larga cabellera,
le coloque por encima mi
sombrero de coco de fibra sintética,
sacudi el denso polvo de la alas súcias
y, colgada la tira al hombro
salgo a la calle
con el gran uniforme de poeta.
Temblad guardamarinas,
alféreles en activo en
situación de disponibles:
mi ridículo hoy suplanta
al vuestro y en él se enreda y perturba
el largo suspiro de las señoritas
romântico-calculistas.
JUVENTUD
Es el tiempo de los explícitos cantares
a la luz del día y en la oscuridad de la noche
hasta una explosiva prueba de acción.
Es el tiempo de las dudas inconfesables
los cigarros ardiendo y el café ya frío
y el rostro impasible tras el periódico
contra la invasión de anônimos vigilantes.
Es el tiempo de los asaltos al tránsito
imaginando las máscaras arrancadas
y cómo serían la belleza y la riqueza
si no coexistiesen incólumes con
ignorância y miseri y violência.
Es el tiempo de soledad entre las gentes
y del solitário sentir la multitud en la sabana.
Es el tiempo de no tener fe y creer todavía
en la dádiva total por un beso de amor
y por sinceridad de um apretón de mano.
Es también el tiempo de recibir-transmitir
una secreta rabia llamada esperanza.
Tiempo que el pudor adulto hace caducar.
Poemas publicados originalmente en la revista HORA DE POESIA, n. 19-20, Barcelona, sin fecha. Ejemplar cedido para la Biblioteca Nacional de Brasilia por Aricy Cuvello, y la reproducción con la debida anuência del traductor.
Página publicada em março de 2008 Poesia moçambicana
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