Quissico 
                        1. Deixei  o sol
                        na praia  de Quissico
                        De bruços
                        sobre o  Verão
                        eu deixei  o Sol
                        na  extensão do tempo
                        Molhando,  quase líquido,
                        o dia  afundava
                        nas  fundas águas do Índico
                        A terra
                        se via  estar nua
                        lembrando,  distante,
                        seu parto  de carne e lua
                         
                        2. Não o  pássaro: era o céu
                        que voava
                        O ombro  da terra
                        amparava  o dia
                        A luz
                        tombava  ferida
                        pingando
                        como um  pulso suicida
                        um minhas  ocultas asas
                         
                         
                        Poema da despedida
                         
                        Não  saberei nunca
                        dizer  adeus
                         
                        Afinal, 
                        só  os mortos sabem morrer
                         
                        Resta  ainda tudo,
                        só  nós não podemos ser
                         
                        Talvez  o amor,
                        neste  tempo,
                        seja  ainda cedo
                         
                        Não  é este sossego
                        que  eu queria,
                        este  exílio de tudo,
                        esta  solidão de todos
                         
                        Agora 
                        não  resta de mim
                        o  que seja meu
                        e  quando tento
                        o  magro invento de um sonho
                        todo  o inferno me vem à boca
                         
                        Nenhuma  palavra
                        alcança  o mundo, eu sei
                        Ainda  assim,
                        escrevo.
                         
                         
                         
                        Fui Sabendo de Mim
                         
                        Fui  sabendo de mim 
                        por  aquilo que perdia 
                         
                        pedaços  que saíram de mim 
                        com  o mistério de serem poucos 
                        e  valerem só quando os perdia 
                         
                        fui  ficando 
                        por  umbrais 
                        aquém  do passo 
                        que  nunca ousei 
                         
                        eu  vi 
                        a  árvore morta 
                        e  soube que mentia 
                         
                         
                        De "Raiz de Orvalho e Outros  Poemas"
                         
                         
                         
                        Solidão
                         
                        Aproximo-me  da noite 
                        o  silêncio abre os seus panos escuros 
                        e  as coisas escorrem 
                        por  óleo frio e espesso 
                         
                        Esta  deveria ser a hora 
                        em  que me recolheria 
                        como  um poente 
                        no  bater do teu peito 
                        mas  a solidão 
                        entra  pelos meus vidros 
                        e  nas suas enlutadas mãos 
                        solto  o meu delírio 
                         
                        É  então que surges 
                        com  teus passos de menina 
                        os  teus sonhos arrumados 
                        como  duas tranças nas tuas costas 
                        guiando-me  por corredores infinitos 
                        e  regressando aos espelhos 
                        onde  a vida te encarou 
                         
                        Mas  os ruídos da noite 
                        trazem  a sua esponja silenciosa 
                        e  sem luz e sem tinta 
                        o  meu sonho resigna 
                         
                        Longe 
                        os  homens afundam-se 
                        com  o caju que fermenta 
                        e  a onda da madrugada 
                        demora-se  de encontro 
                        às  rochas do tempo 
                        
                         
                        De "Raiz de Orvalho e Outros  Poemas"