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POESIA MOÇAMBICANA

Seleção de Nelson Rossano

 

 

HELIODORO BAPTISTA

 

Heliodoro Baptista nasceu em Gonhame, Quelimane, Moçambique, onde reside na cidade da Beira. Publicou em 1987 Por Cima de Toda a Folha (1987 - Prêmio Nacional de Poesia [Moçambique] em 1991) e A Filha de Tandy (1991). Está incluído no CD Mãos Dadas (uma recolha de língua portuguesa), editado no Brasil.

 

Paisagem com Poema em segundo Plano

        

I

 

«Tantos nomes que não há

para dizer o silêncio».

Através das palavras, as que sobraram

dos outros e se encurvam à luz

edificámos a casa, flores alucinantes

e a canganhiça do fogo eterno

que há no amor.

Com esta não invoco um nome

e o meu país, acocorado, volta-se de perfil

com suas mulheres magras e sombrias e trágicas

pegando fogo aos sexos extenuados

As quizumbas deixam de ladrar

quando o medo cessa e da paisagem em movimento

(os rios inúteis? o crepúsculo das vontades?

os cascos do remorso? as crianças sublevadas?)

nomeia-se, se embebe tipograficamente

a humildade dos vultos em fila

ante o impossível milagre dos pães.

Como no circo

há quem não bata palmas.

«Tantos nomes que não há

para dizer o silêncio»

mas lembro, soletro devagar:

nocturno e geralmente inacessível

um homem percorre todos os lugares

e volta-se escuramente

para dentro de si

- que é a única prisão disponível

para o tamanho da sua luz.

As estrelas baixam ao nível do chão

e guardam-no para a eternidade

que há em cada sono.

 

II

 

Tudo veio de muito longe

(murmuram-no as mulheres expostas

acariciando o púbis chamuscado)

para todo este território

onde as formas rápidas e convulsas

explicam as cabeças submergidas

na vertigem fabulosa

das parábolas.

Da infância à adolescência

os meninos souberam-no pelo Índico

na concha cheia de suas mãos puras e arrebatadas:

a dimensão do real é sempre discutível

como o adivinharam há muito

as aves canoras inundando

a inteligência da terra.

Fluo e refluo no tempo e na sua sombra

e dissimulo-me no capim, nos corais, no jardim urbano,

nas orelhas apreensivas, na crispação de alguns cristais

e sobretudo nos músculos das palavras ausentes

a crescer no formidável espaço do poema

- o amor inundará tudo

até ao sabugo das unhas.

Das letras, em algumas noites,

são esses os sinais que recebemos.

 

III

 

É isso: morre-se ou vive-se na ambiguidade

mas o amor empolga como nunca

antes em qualquer nervo desta galáxia.

Então pensamos:

por cima de toda a folha

há a luz, este surpreendimento

a suor de animais insaciados que se veste de nós

e de nós se assombra (ou inquieta, subverte?)

a urbana convivência

tecida em silogismos

e recamada de ódios.

As coisas, ah as outras coisas

surgem pela própria ausência.

E assim

há gente que ama a fome

pois sempre aprendeu dos novos fabulários:

a burla nasce quando a dúvida

acontece o simples e delicado povoado

onde o coração emite

as seculares ondas de repulsas.

As palavras amadurecem, transcendem-nos.

Como os dias. Este trajecto imemorial.

Os vãos escuros das escadas. Os estádios ao sol.

As vazias mesas. Uma criança estremunhada na noite.

O império dos sentidos. Uma braçada de folhas de mandioca.

Das mulheres feridas, a teimosia. Na pele, os mil olhos.

E insuspeita, delicadamente

a sombra reflexiva

(há séculos? desde ontem?)

de um escriba na audição

do poema que não fará.

Porque, hoje como nunca,

«tantos nomes que não há

para dizer o silêncio».

 

 

Beira, 85

IN Cadernos «Diálogo» 1

As Palavras Amadurecem – 1988

 

 

Como um cão

 

Como um cão curvo-me

e procuro ler nas marcas

que a noite não pôde

recolher o tempo.

 

Anima-me a superfície fabulária

onde o olhar do dia revolve

o que foi alvoroço vida

ou sinal ténue.

 

Detenho-me na pegada junto à cama

e a mão precavida incha a memo'ria

nenhuma sensação acende

o que já está perdido.

 

(Perdidos os meus passos? A minha voz?

é assim tão terrível o amor ao homem?

a justiça foi calcinada em que ritual?)

 

Pouso então devagarinho

o ouvido na parede húmida

e eis que uma sombra volta-se

num largo aceno de simpatia.

 

Na paz indizível sopra

a  fina aragem desanoitecida

a leve impressão

de um cochichar

uma porta entreaberta

onde pulsa uma esperança.

 

(Ontem já foi passado e o minuto que vem já é futuro).

 

 

Inhaminga-87

 

I

 

Hoje, em Inhaminga,

afundo-me de imenso,

meu amor.

 

Hoje, sob a floresta

o fragar, exaurível,

das aranhas bordando as teias

da desesperança.

E enclausuramos os olhos

de pedra.

 

II

 

Como dizer-te, meu amor,

do acre, da folha tombada

por sobre o cabelo da criança

suspensa no inexprimível

nada de nada?

 

Como se modula o silêncio?

Que medida para o sangue

tumultuando nos rubores

de cada manhã?

 

III

 

Em Inhaminga, meu amor,

uma árvore despede-se

sobre alguém que nunca passa,

sobre as coisas que são

porque já ausentes.

 

Ali, para sempre,

A transparência do horror.

E por lampejos, os very-lights,

provocam o segredo inviolável

dos antepassados!

 

 

Beira, 19 de Maio de 1987

In Gazeta de Artes e Letras

Revista Tempo-911 

 



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