| CARLOS CARDOSO            Carlos Cardoso (Beira, 1951 – Maputo,  22 de novembro de 2000) foi um jornalista moçambicano assassinado quando  investigava um presumível caso de corrupção em um dos maiores bancos de  Moçambique.  Depois de vários anos trabalhando em  órgãos de imprensa do Estado (os únicos que existiam em Moçambique até à  abertura política), Cardoso foi membro fundador da primeira cooperativa de  jornalistas, a Mediacoop, proprietária do semanário "Savana" e do  diário Mediafax, em 1992. Em 1997, fundou o seu próprio diário, também  distribuído por fax, o "Metical" que, tal como o nome indica (Metical  é a moeda de Moçambique), era virado essencialmente para questões econômicas.  Iniciou a atividade jornalística em  1975, no semanário Tempo. Continuou na Rádio Moçambique e na Agência de  Informação de Moçambique (AIM), onde foi diretor por dez anos. Durante vinte  anos exerceu o jornalismo como uma forma de contribuir com o seu país. O jornalista também dedicou-se às  artes plásticas e realizou sua primeira exposição de pintura no ano de 1990, na  cidade de Maputo, denominada de "Os habitantes do forno".   CIDADE  1985   De manhã quando acordo  em Maputo o almoço é uma  esperança.  Mãe tenho fome  marido tenho bicha   e mil malárias-me  disputando a vontade.   De manhã quando acordo em Maputo o jantar é uma  incerteza o serviço uma  militância política do outro lado do sono  incompleto e o chapa-cem um  regulado impiedoso no quatro barra oitenta  sem contra-argumento.   De manhã quando acordo em Maputo o vizinho já candongou  o que me roubou a estomatologia não tem  anestesia a chuva abriu  dialecticamente mais um buraco na estrada e o conselho executivo  continua desdentado de iniciativas.   De manhã quando acordo em Maputo Porra para a vizinha  que estoirou a torneira do rés-do-chão Porra para ú guarda que  não ligou a bomba quando veio                                                                      [a água  Porra para os cem  gramas de carne apodrecidos no silêncio  desenergético de Koinatiport mais as ó eme emes sem  dê efes e o soldado que ainda  não ouviu dizer que os passeios são lugares públicos e os fulanizados  explorados de outrora que se preparam para  cuspir na tua campa, o Macaca, às ordens de um  Mouzinho boer.   Mas ao anoitecer quando  me percorro   em Maputo  enfio ominosamente o  cérebro numa competentíssima                                                                      [paciência  desembainho felinamente  mais uma mentira diplomática  e aguardo a lucidez  companheira me leia  nas acácias em sangue   nos jacarandás  estalando sob a sola epidérmica do povo  que este é ainda o eco  estridente do Chai  até que Botha seja  farmeiro e Mandela Presidente.   Então, com a raiva intacta  resgatada à dor  danço no coração um  xigubo guerreiro  e clandestinamente  soletro a utopia invicta.   À noite quando me deito  em Maputo  não preciso de rezar.  Já sou herói.     Página publicada em  maio de 2015     
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