OVIDIO MARTINS
(1928-1999)
Nasceu em São Vicente (17.9.1928), Cabo Verde. Poeta caboverdiano, jornalista, co-fundador do Suplemento Cultural (1958, São Vicente). O seu envolvimento em atividades de promoção da independência valeram-lhe a pena a prisão e o exílio nos Países Baixos.
Obra: Caminhada, 1962 – Poemas; 100 Poemas - Gritarei, Berrarei, Matarei - Não ou para pasárgada, 1973 - Poemas em Português e em crioulo de São Vicente; Tchutchinha, 1962 – Novela.
TEXTO EM PORTUGUÊS / TEXTO EN ESPAÑOL
CABOVERDIANAMENTE
Detém-te lágrima
Não ferimos ainda o último combate
Ah este desejar loucamente o sol
este ansiar febril por fontes que não há
Detém-te e espera
caboverdianamente espera
o dia em que
devagarinho
penetrarás
a terra geminada de esperança
Detém-te lágrima
que estás no limiar
do reino
encharcado de sol
do belo reino encharcado de sol
a razão crioula da nossa luta
Detém-te e olha
as palavras feitas raízes
entrelaçadas de amor
e sangue
confundidas na mesma seiva
que alimenta
montes
e sargaços
Detém-te lágrima
e aguarda
calmamente aguarda
caboverdianamente
MEDO
Ah sempre este sonho ingrato
de reduzir a distância!
Meus gestos
perdi-os
no aceno do mar
Meus olhos
cansei-os
no afago das ondas
E agora este medo desesperado
de ter o sonho na palma da mão
e sem gestos
para o acariciar
e sem olhos
para o deslumbramento!
REIS DA BAÍA
Tiegs
catraeiro valente
que deixaste fama
na guerra com marinheiros
mondrongos
(tu só brigaste contra sete
não foi?)
que é Tiegs?
que luz brilha ainda
em teus olhos cansados
tão diferente da que ilumina
olhos de
comerciantes
funcionários
prostitutas ?
Dáss
carregador de cais
filho de inglês
e de mulher de terra
que é Dáss
que luz cintila
em teus olhos
tão semelhante
à que anima
as pupilas cansadas
de Tiegs?
João Cabafume
rei da baía
que morreste indominado
e cuja cólera
todos temiam
que atiravas ao mar
os cabos-do-mar
se te faziam perder
a paciência
que era João?
que luz era aquela
que faiscava
em teus olhos
irmã gémea
da que vive
nos olhos de Tiegs
e cintila nos olhos
de Dáss o valente?
ADIADO O TEMPO PARA AMAR
Desculpa meu amor
não há tempo para o amor
Quando melhor arfar o mar
o céu for mis azul
e lua menos leviana
Desculpa meu amor
´inda é cedo para o amor
Quando fenderem os ares
os pássaros da liberdade
Desculpa meu amor
teremos em breve nosso amor
Quando soluçarem os tambores
na Mãe-Terra distante
Quando endoidecerem tinindo
os sinos todos de Cabo Verde
Extraído de MÁKUA – ANTOLOGIA PÓETICA 2. Luanda: Publicações Imbondeiro, 1963.
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POEMA SALGADO
Eu nasci na ponta-da-praia
por isso trago dentro de mim
todos os mares do Mundo
Meu correio são as ondas
que me trazem e levam
recados e segredos
E meus bilhetes
(meus bilhetinhos de saudade)
são suspiros salgados
que as sereias recolhem
da crista das ondas
Nas conchas e búzios
de todos os mares do Mundo
ficaram encerradas
minhas canções de amor
Que eu nasci na ponta-da-praia
Por isso trago dentro de mim
todos os mares do Mundo.
PARA ALÉM DO DESESPERO
Para além do desespero...
Apenas a criança
Numa paisagem de nada
A sua boca não ri
(Nunca soube
que uma boca de criança
foi feita para rir)
Os seus olhos não choram
(Não há lágrimas para além do desespero)
Os seus pés
não correm atrás de borboletas
e as suas mãos
não abrem covas na areia
(Não há borboletas nem areia
numa paisagem de nada).
Para além do desespero...
Também minha revolta
com cadeados nos pulsos.
CABO VERDE – ANTOLOGIA POÉTICA. Organizador: Rogério Andrade Barbosa. Brasília, DF: Thesaurus Editora, s.d. 16 p. (Biblioteca do Cidadão. Série Literatura em Língua Portuguesa. 10,5x15 cm.
OVÍDIO DE SOUZA MARTINS
ANTI-EVASÃO
Pedirei —
Suplicarei
Chorarei
Não vou para Pasárgada
Atirar-me-ei no chão
e prenderei nas mãos convulsas
ervas e pedras de sangue
Não vou para Pasárgada
Gritarei
Berrarei
Matarei
Não vou para Pasárgada
TEXTO EN ESPAÑOL
POEMA SALADO
Yo nací en la punta de la playa
por eso traigo dentro de mí
todos los mares del mundo
Mi correo son las olas
que me traen y me llevan
recados y secretos
Y mis tarjetas
(mis tarjetas de nostalgia)
son suspiros salados
que las sirenas recogen
de la cresta de las olas
En las conchas y caracolillos
de todos los mares del mundo
quedaron encerradas
mis canciones de amor
Que yo nací en la punta de la playa
por eso traigo dentro de mí
todos los mares del mundo.
Extraído de POETAS AFRICANOS CONTEMPORÁNEOS, org. Fayada Jamis, Virgilio Piñera, Armando Álvarez Bravo, Manuel Cabrera y David Fernándes. (Traductores). Madrid: Biblioteca Jucar, 1975.
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