Fonte: www.expressodasilhas.cv
OSWALDO OSÓRIO
Oswaldo Osório (pseudônimo literário de Osvaldo Alcântara Medina Custódio) é nome destacado na literatura cabo-verdiana.
Nascido no Mindelo a 25 de Novembro de 1937, distingue-se como poeta e contista, sendo um dos fundadores do caderno de cultura do Notícias de Cabo Verde, Sèlo.
Fez os estudos secundários e o seminário em Nazareno, tendo exercido várias funções profissionais, como trabalhador de rádio, funcionário público, empregado de comércio, presidente da União dos Sindicatos, director do "Suplemento de Poesia dos Anos 80", Voz di Povo, co-fundador da página de cultura Seló, onde iniciou a sua actividade como poeta e prosador.
Em consequência das suas actividades políticas, estreitamente ligadas às acções culturais durante o regime de Salazar, Oswaldo Osório foi preso por duas vezes.
Da sua produção literária, salienta-se os poemas de luta “Caboverdeanamente Construção Meu Amor” (1975), “Cântico do habitante. Precedido de Duas Gestas” (1977), “Clar(a)idade Assombrada” e “Os loucos poemas de amor e outras estações inacabadas”.
No domínio da prosa, escreveu “Cantigas de Trabalho – Tradições Orais de Cabo Verde”, “Emergência da Poesia em Amílcar Cabral (ensaio) e Nimores e Clara & Amores de Rua” (romance). O novo livro de poesia: “A Sexagésima Sétima Curvatura” Colaborou, ainda, em publicações diversas, como “Selo”, “Alerta”, “Vértice”, “Notícias de Cabo Verde” e “Raízes”. A sua obra encontra-se também em várias antologias de literatura africana.
“As Ilhas do Meio do Mundo” é título do próximo romance do escritor.
Fonte da biografia: www.inforpress.cv
MANHÃ INFLOR
as héveas murcharam
desertas de folhas
desertas de flores
propositadamente
nem só o sangue mas também a seiva
nem só a criança mas também a pétala
nem só o homem mas também a planta
nem só a carne mas também a lenha
propositadamente
tudo o hamadricida flagelou
a beleza da flor
a inocência da criança
a certeza dos campos
o aconchego duma sombra
mas nos covis a vida continuou
e o apelo à luta redobrou
as héveas murcharam
e com as héveas
a manhã inflor
a terra nua
mas ainda a vida
nos covis continua
HOLANDA
holanda companheiros
chegámos
chegámos com barcos guildas nos olhos e desejo de vencer
chegámos intermináveis e actuais às docas
betão aço cargueiros e braços precisados
chegámos numa dimensão nova
(ah as roças de s.tomé serviçal meu irmão)
e pusemos todo o nosso esforço
lubrificámos máquinas
alimentámos caldeiras
navegámos por oceanos de fogo e fiordes de gelo
mas foi nos mares da terra nova
no tempo em que de boston a américa mandava seus barcos baleeiros
para nos contratar
que ganhámos o bronze da nossa pele
The Best Sailors of the World
sob bandeiras estrangeiras brigámos guerras que não eram nossas
para agora amarmos ao ritmo de torno novo
e múltiplas bocas ao nos verem dizem
Let them get by
chegámos às docas companheiros
nas docas com barcos guildas nos olhos e nossa terra nos nossos sonhos
chegámos intermináveis para o match
e pusémos todo o nosso esforço na luta
pusémos esperança na nossa força de trabalho
e quando nos vêem chegar dizem
Let them get by
aqui ou ali passaremos sempre porque chegámos companheiros
a esperança trasformada em actos nos nossos punhos
a seca o sol o sal o mar a morna a morte a luta o luto
ao nos verem passar dizem que ultrapassaremos os sonhos
e o match é em nossa terra que vai terminar
CAVALOS DE SÍLEX
ainda estávamos em guerra quando fomos à lua
e tínhamos fome e feridas nos olhos de cegar
agarrávamos o futuro com a luz do laser
e as flores gelavam aqui donde partíamos com carbúnculos nos braços
pássaros de pio futuro por onde andávamos
deixámos a terra grávida de salamandras esventradas
ganhávamos o pão nosso cada dia com medidas de suor
e um inverno de vómito estarrecia sob as raizes
as galáxias mediam-se por braçadas de legumes ou milho ou arroz
que no-las distanciavam e as estrelas fugiam perseguidas
por cavalos de sílex
o sonho criava lodo cada manhã
as palavras mal nasciam apodreciam em limo
nesta situação-limite os seios o sexo o sémen
convenceram os homens nas suas fábricas
de cavalos de sílex
tarde
peitos punhos pulsos resolvemos ousar nosso pão
ROSA (IN) FIXA
não há quem não persiga uma rosa
nos escassos dias da mortal residência na terra
não há quem não a busque
mística ideal solitária carnal geográfica ou comunal
inseparável de longas veias e bandeiras
nunca houve quem não a desejasse colhida nas mãos em concha
como água purificadora desses escassos dias de residência
volátil volúvel sublima-se e desespera ao mínimo gesto
do toque e do encantamento o achador
qual a tua rosa?
temos cada um de nós a rosa eletiva e nunca idêntica
por mais próxima mística ideal ou comunal à do outro
a rosa (in)fixa só aparentemente se movimenta
somos nós atrás dela velozes e perdidos
ansiosos de busca do que não temos ou temos imperfeitamente
cada um quer a sua rosa
clandestina mas rosa
apaixonada mas rosa
solitária — todas as rosas são solitárias — mas ainda assim rosa
comunal porém de todos rosa
carnal ou mística sempre e ainda rosa rosa mesmo que conspurcada
e rosa da rosa-dos-ventos rosa é
desabrochada sobre o mundo
de ilha a continente
de mar a mar
de pólo a pólo
levada pelos ventos
ó rosa que nos diversificas no âmago de ti própria!
qual a tua rosa?
rosa de ninguém porque minha e eletiva
não há quem não persiga a sua rosa
inagarrável estrela que adia a mortal residência
e nos sobra no leito ao acordarmos
nem sabemos em que horizontes de outras rosas.
Página publicada em agosto de 2008
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