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OSVALDO ALCÂNTARA
(1907-1989)
Osvaldo Alcântara, pseudônimo poético de Baltazar Lopes da Silva, nasceu na Ilha de São Nicolau, Cabo Verde, em 1907. Advogado e filósofo. Professor, Doutor Honoris Causa pela Universidade de Lisboa. Um dos fundadores da revista Claridade, marco da literatura cabo-verdiana.
Publicou: Chiquinho (romance), São Vicente, 1947; O Dialeto crioulo de Cabo Verde, Lisboa, 1957; Cabo Verde visto por Gilberto Freire, Praia, Cabo Verde, 1956; Antologia da ficção cabo-verdiana contemporânea, Praia, Cabo Vrde, 1960.
A SERENATA
Vestida de gemidos de bordão,
lancinâncias de violino,
na noite parada
vem descendo a seresta.
Sumiu-se a cidade barulhenta
inimiga das crianças e dos poetas.
Uma voz canta sentimentalmente um samba.
Aquele aperto de mão
não foi adeus!
Os cavaquinhos desmaiam de puro sentimento,
a cidade morreu lá longe,
e a lua vem surgindo cor de prata.
Nessa história de amor todos são iguais,
até o rei volta sua palavra atrás...
O meio tom brasileiro deixa interrogativamente a sua nostalgia.
É hora que os poetas escolheram
para a procura dos seus mundos perdidos...
Amanhã a cidade virá novamente
inimiga dos poetas.
Mas agora ela dorme,
ela não sabe que os poetas falam com Nossenhor,
com a lua e as estrelas,
nesta hora tão lírica...
Menina romântica, irmã
das crianças e dos poetas...
A tua janela, florida de esperanças,
é um mistério que a cidade não entende.
Passa a serenata.
Mas no coração dos que temem a primeira luz do dia que vai chegar
ficam os gemidos do violão e do cavaquinho,
vozes crioulas neste noturno brasileiro
de Cabo Verde.
Extraídos de
BARBOSA, Rogério Andrade. No ritmo dos tantãs; antologia poética dos países africanos de língua portuguesa; Brasília: Thesaurus, 1991. 165 p.
Página publicada em maio de 2008, com a autorização da Thesaurus.
OUTROS POEMAS
RESSACA
Venham todas as vozes, todos os ruídos e todos os gritos
venham os silêncios compadecidos e também os silêncios satisfeitos; venham todas as coisas que não consigo ver na superfície da sociedade dos homens;venham todas as areias, lodos, fragmentos de rocha
que a sonda recolhe nos oceanos navegáveis;
venham os sermões daqueles que não têm medo do destino das suas palavras venha a resposta captada por aqueles que dispõem de aparelhos detetores apropriados;
volte tudo ao ponto de partida,
e venham as odes dos poetas,
casem-se os poetas com a respiração do mundo;
venham todos de braço dado na ronda dos pecadores,
que as criaturas se façam criadores
venha tudo o que sinto que é verdade
além do círculo embaciado da vidraça...
Eu estarei de mãos postas, à espera do tesouro que me vem na onda do mar...
A minha principal certeza é o chão em que se amachucam os meus joelhos doloridos,
mas todos os que vierem me encontrarão agitando a minha lanterna de todas as cores
na linha de todas as batalhas.
FILHO
Nicolau, menino, entra.
Onde estiveste, Nicolau,
que trazes a arrastar
o teu brinquedo morto?
Nicolau, menino, entra.
Vem dizer-me onde foi que tu estiveste
e a estrela fugiu das tuas mãos.
Tens comigo o teu catre de lona velha.
Deita-te, Nicolau, o fantasma ficou lá' longe.
Dorme sem medo
Porão, roça, medos imediatos,
tudo ficou lá longe.
Quando acordares a jornada será' mais longa.
Nicolau, menino,
onde foi que deixaste
o corpo que te conheci?
Deus há-de querer que o sono te venha depressa
no meu catre.
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