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MÁRIO LÚCIO SOUSA
Mário Lúcio Sousa (Lúcio Matias de Sousa Mendes) nasceu no Tarrafal, Ilha de Santiago, Cabo Verde, em 21 de Outubro de 1964. Licenciado em Direito pela Universidade de Havana, Cuba. Deputado do Parlamento Cabo-Verdiano entre 1996 e 2001. Embaixador Cultural de Cabo Verde. Condecorado pelo seu país em 2006 com a Ordem do Vulcão, ao lado de Cesária Évora, sendo ele o artista mais jovem a receber tal distinção.
Na música, foi fundador e líder do grupo musical Simentera, Compositor, multi-instrumentista e estudioso da música tradicional. Já gravou com Manu Dibango, Touré Kunda, Paulinho Da Viola, Maria João e Mário Laginha, Gilberto Gil, Luís Represas, Milton Nascimento, Pablo Milanês, Harry Belafonte, Toumani Diabate, Mario Canonge Ralph Tamar, Pedro Jóia, Teresa Salgueiro entre outros.
É autor das seguintes obras: Nascimento de Um Mundo (poesia, 1990); Sob os Signos da Luz (poesia, 1992), Para Nunca Mais Falarmos de Amor (poesia, 1999), Os Trinta Dias do Homem mais Pobre do Mundo (Ficção, 2000 - prémio do Fundo Bibliográfico da Língua Portuguesa, 1ª edição), Vidas Paralelas (Ficção, 2003) Saloon (Teatro, 2004), Teatro (colectânea, 2008). Vencedor do Prémio Carlos de Oliveira 2009. (Fonte da biografia: www.wook.pt)
AUTOBIOGRAFIA
Desde que nasci
sonho todos os dias com a morte.
Mas, confesso,
a morte não é meu sonho.
FAITH NO MORE
A fé nunca é demais
se se transborda rega e invade.
Sei que está comigo e que me fala:
não ouvi-la é transcendental.
Ela me fala do outro lado do som
e toma formas efêmeras
para agilizar a língua
porque é a mesma forma que se vê dissímil
em cada forma.
A cor pura necessita de luz pura
mas a luz tem as suas cores
e ali estão, também efêmeras,
porque é a mesma luz que se vê dissímil
em cada cor.
Creio e vejo e tenho
só porque creio
porque nem vejo nem tenho.
Tudo se me faz presente,
tanto a construção da ponte como a sua ruína;
as batalhas ganhas ainda não começaram
mas ganhas já, porque as creio assim.
A distância toma o sentido contrário
porque penso mais rápido do que a luz e
portanto, vejo antes de as coisas se definirem
para se deixarem ver o que são.
Puro engano o contrário:
o que é não se define, está definido.
E pode ser visto sem que exista na aparência
NO DIA EM QUE EU ME FIZ SANTO
São sete,
como as portas da Misericórdia.
O clavicórdio em si celebra a missa
e só não canta o mudo
— que já falou com Deus.
As sete potências às que hoje me atei pelo pescoço
seguem a linguagem da luz:
provam que o corpo é da figura da lâmpada:
a energia, foi e é luz antes da lápida
(luz invisível porque incontida).
Há espelhos limitados pela crença
partidos pela fé.
I believe, porque soa-me bem.
Eles ordenam que o amanhã passe pelo hoje na minha mente
e já ordenaram que todo o mal seja um boomerang.
— o meu peito que escudo era
doravante é um alvo sempre falhado
— que bela contradição!
Os caçadores de mim, caçadores de si, inventarão flechas
— os cupidos estão à solta .
Gazelas, veados, serpentes, como sempre, conviverão comigo
Na Canção dos Salmos,
no sermão dos cantos
nos cantos de Salomão, Rei, que, como eu, tocava
clavicórdio.
Nada finda em si
(nem o próprio acorde).
Por que então havia eu de terminar em mim?
E as portas por que passou ...
O espaço efêmero na lembrança?
Eu, que pretendo seguir,
sigo os signos da luz.
BOAVISTA
Por então
os portugueses estavam perdidos, digo, per Dido
e de repente
calhou
calHAU
iLHÉU
ILHA
....................................................................
Nunca antes alguém sabia
que um par de antolhos pode gerar uma nação.
....................................................................,
E encontramo-nos como dois velhos amigos
como dois novos inimigos - e vice-versa -
e descobrimos as nossas misérias humanas,
que como dois míseros,
e como o cego e a sua bengala
se pressupõem sem ser contrários
e jamais se prescindem.
BRAVA
Os homens das ilhas nascem seduzidos.
Corpo de rapariga bravia
tem a brava ilha
que me trouxe
o amor
as flores
as cores
a música e a poesia
tudo num compasso então não definido
porque o tambor e a guitarra
apenas tinham acabado de pastar no campo,
deixavam de ser vaca e madeira
para ecoar nas esquinas noturnas:
Serenata de barro e mel.
A esta ilha nunca chegará a guerra,
a antítese do canto.
Aqui a beleza foi radical e silvestre
e num princípio não coube no rosto
nem na mão
nem na palavra,
saiu à cata da chuva
ainda gestando debaixo da terra - não no mar -
e deste encontro universal
nasceram flores seduzindo abelhas,
e logo a gênesis do que seria a nossa história
a nossa tradição, a nossa lenda — que é tão indefinível...
POEMA AO FOGO
Todos os alimentos estão crus
pela ausência mencionada do fogo
— proximidade inevitável.
Sem o conceito da ausência
o fogo olvidado torna a semear os alimentos
com nomes e apelidos.
O veado vaidoso cuja fêmea anda com outro veado
a branca figura que a rosa esconde
e a guitarra
terão os aplausos à volta da fogueira.
Mas, o fogo dorme
e nenhuma mão encontra a outra.
Página publicada em setembro de 2015
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