JOÃO RODRIGUES
João Baptista Rodrigues nasceu na Ilha de São Vicente, em Cabo Verde, em 9/11/1931.
Publicou: Os contos Monte Verde-Cara, O Casamento de Joaquim Dadana (noveleta), Caminhos Agrestes (contos), O Jardim dos Rubros Cardeais e Pérolas do Sertão (Poesia).
AS FLORES QUE EU NÃO TIVE
Mãe!
Olho para o verde musgo
que
depois da chuva
cresceu e floriu
sobre a terra da tua campa
e um amargo sorriso
aflora aos meus lábios
ao ver-te
toda coberta de bravas flores...
São as flores
que eu não tive
para
depor sobre essa campa
quando
fecharam-te os olhos
cruzaram-te as mãos
e te cobriram de pó
— E eu te cobri de lágrimas!
São as flores
que eu não tive
para
ornar tua fronte
de mártir e santa
Oh minha mãe!
SÍNESE DJA-BRABA*
I
O poeta
sua tela de pedra
Alba e neblina
pólen e seiva
cinzel rasgando
carne de pedra
pedra de pétalas
mãos frementes
afagando
o pólen
a seiva
o orvalho.
II
O poeta
sua tela de pedra
rubro poente
orvalho de sangue
cinzel rasgado
e
belos
bravos
eróticos
contornos sensuais
de
montes se erguendo
com patas de pétalas
e diademas de flores.
*Djá-Braba: crioulo de Cabo Verde, e significa “Ilha Brava”.
ANTOLOGIA
SELÓ!
Mãe
teu filho regressou
SELÓ
Mulher
teu marido chegou
SELÓ!
Filho
teu pai voltou...
O mar
de abismos e terror
fustigou-os, atormentou-os
mas poupou-os desta vez
— não os tragou!
DOZE HORAS NA VIDA DE UM MENDIGO
O mendigo
estendeu suas mão vazias
na penumbra do dia...
Mastigou gestos de indiferença
encheu seus olhos de movimento diurno
e descansou à sombra da esquina do seu destino.
Na penumbra da noite
o mendigo
recolheu suas mãos
— cheias de coisa alguma!
SALMO DE UMA NOITE DE SOLIDÃO
O vento
é harpa
sob os negros dedos
desta negra noite
é música fúnebre
em meus versos partidos
amortalhados na noite
é sinfonia macabra
nesta selva espessa de negrume e silêncio
nem rubros contornos
nem cânticos de aves
— apenas o vento na harpa e na selva!
A noite
é fantasma vagueando na noite
e o vento
a harpa
e o som e o salmo
deste negro cântico
nos nervos partidos
no leito vazio
neste poema
que
chora na noite
grita na selva
contorce na dor
agoniza no desespero
e suplica no estertor:
— Mata-me
noite homicida
e sepulta-me
no abismo desta solidão!
Página publicada em agosto de 2008
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