GABRIEL MARIANO
José Gabriel Lopes da Silva, conhecido como Gabriel Mariano, (Vila de Ribeira Grande, 18 de Maio 1928 -- Lisboa, 28 de Fevereiro 2002) foi um juiz, poeta, contista e ensaista caboverdeano.
Estudou na Faculdade de Direito de Lisboa e graduou-se em Direito e foi juiz em Lisboa. Retornou nos anos 1950 a Cabo Verde, onde participou da criação do jornal Restauração (com Jorge Pedro Barbosa e outros), do Suplemento Cultural (com Carlos Alberto Monteiro e outros) e do Boletim Cabo Verde. Sua intensa atividade cultural acabou sendo considerada subversiva pelo governo local, que o deportou a Moçambique.
Publicou poemas, romances e livros de ensaio, tanto em português como em crioulo. Fonte: t.wikipedia.org
MANHÃ SUBMERSA
(Para Jaime de Figueiredo)
Agora que as raízes desciam
mais fundo na terra amada;
agora que novos olhos
a terra seca reviam;
agora que céu e mar
e terra se entrelaçavam
e confundidos no sangue
um novo sangue me davam;
agora que um amplo amor
viril me alimentava
e no doce regaço de pedra
os sonhos se agrinaldavam;
agora terra dorida
agora que nem sequer
uma distância entre nós
a nossa voz separava
e a brisa que me impelia
subia do humano vale;
agora súbito arrancam
ao doce regaço de pedra
a pedra que ali brincava
o filho que um novo amor
entre calhaus inventado
a todos com segurança
seguramente ofertava.
Meu corpo arremessado
flutua inerte e reclama
o litoral que eu amava
a árida face e os olhos
o abraço, o amor intacto
das ilhas da minha dor.
Inerte o corpo flutua
inerte porém sem medo.
E quando a maré baixar
virei na sombra que deixo
virei de pé caminhando
ao litoral da partida
beijar na árida face
a face que ora avultando
de rocha em rocha emergida
se esvai para mim perdida
nas ilhas da minha dor.
E quando a maré baixar
virei de pé caminhando.
CARTA DE LONGE
(Para Orlando Levy)
Carta de longe lembrando
a dispersão dolorosa.
Carta de Boston América
de Jorge Pedro Barbosa.
Eram quarenta e só quatro
em Cabo Verde ficaram.
Tinha Brasil Argentina
tinha Dakar-Senegal.
América vinha primeiro
já nos obscuros caminhos.
Já nos obscuros caminhos
da encruzilhada inicial
já insinuando por perto
Brasil Dakar-Senegal.
Tinha Guiné Moçambique
Angola veio e depois
Macau Timor Venezuela
Goa Brasil São-Tomé
e dos quarenta só quatro
em Cabo Verde ficaram.
Caminhos brandos pra quem
os pés já sangram doridos
ainda meninos os pés
os pés já sangram doridos.
Ó meus destinos inquietos
no inquieto mapa do mundo.
Eram quarenta e só quatro
em Cabo Verde ficaram.
CAMINHO LONGE
Caminho
caminho longe
ladeira de São-Tomé
Não devia ter sangue
Não devia, mas tem.
Parados os olhos se esfumam
no fumo da chaminé.
Devia sorrir de outro modo
o Cristo que vai de pé.
E as bocas reservam fechadas
a dor para mais além
Antigas vozes pressagas
no mastro que vai e vem.
Caminho
caminho longe
ladeira de São-Tomé
Devia ser de regresso
devia ser e não é.
VELA DO EXÍLIO
Acendi hoje uma vela
de estearina na fina
mesinha onde escrevo.
Enquanto ela me ardia
da chama para os meus olhos
velhas lembranças seguiam.
E súbito sobre a parede
da velha casa onde moro
o mapa árido e breve
das ilhas do Cabo Verde.
Que vento não vem ou se agita
no barco em forma de vela
por dentro da casa fechada!
Que voz materna no écran ,,
da ilha difusa difunde
meu nome em projecto?
Acendi hoje uma vela.
E enquanto me ela queimava
por sobre a mesa pessoas
vivas e mortas passavam.
Vela do exílio acendida
na noite de Moçambique:
pesado, inútil veleiro.
Vela do exílio, meu filho
com apenas um sopro apagas
a vela, o exílio não.
Página publicada em maio de 2015
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