Filinto Elísio Correia e Silva é poeta e cronista, nasceu na cidade da Praia, em Cabo Verde. É bibliotecário e administrador de empresas. Foi professor em Somerville, nos Estados Unidos. Foi assessor do Ministro da Cultura de Cabo Verde. Atualmente é Consultor Internacional e Administrador do Seminário “ A Nação”, em Cabo Verde. Publicou as seguintes obras: “Do lado de Cá da Rosa” (Poesia) “Prato do Dia” (crônica) “O inferno do Riso” (Poesia), “ Cabo Verde 30 anos de Cultura” (Antologia), “Das Hespérides” (Poesia, Prosa e Fotografia) e “Das Frutos Serenadas” (poesia). Tem ainda a publicar “Sem Margens” (Crônica) e “ Praiademincidade” (Romance).
(...) Um poder ilimitado para criar imagens ao extremo os sentidos das palavras, apresentando novas e surpreendentes significações em poemas que transportam o leitor a desvendar um sujeito lírico profundamente existencialista, proposto a metaforizar tudo aquilo que alimenta seu lirismo
(...) Em Elísio, o excesso metafórico e o ardor semântico não são gratuitos, mas sim, frutos de uma cuidadosa e zelosa paixão pelo fazer poético. Intimista, lírica exuberante e universal, assim é a poesia para e de Filinto Elísio. Um poeta que a reinventa, que mostra que a poesia ainda é a mais bela das artes (...) Ricardo Riso (Especialista em Literaturas Africanas. – Rio de Janeiro)
ad vinhos
andei por califórnias ródanos douros
sonhei ânforas do antanho
deusas etílicas taças de âmbar
poetei absintos versejei labirintos
naveguei pessoas & nerudas
tive orgasmos a imaginar borges
acordei diante de brancos secos
amei com os tintos maduros
encorpados lambruscos
alentejos chãs
ad eternum
ou aqui
agora...
HAIKAI AGRIDOCE (POESIA III)
Ao Mito
a flor de lotus, o mel de abelha, a borboleta exótica...
ainda que cuidemos do nosso jardim de sonhos
no vinagre dos dias haverá sol para o cravo do amanhecer?
ACERCA DO AMOR
Do amor só digo isto:
o sol adormece ao crepúsculo
no oferecido colo do poente
e nada é tão belo e íntimo,
0 resto é business dos amantes.
Dizê-lo seria fragmentar a lua inteira.
De
Filinto Elísio
LI CORES & AD VINHOS
Lisboa: Letras Várias, 2009
ISBN 978-9899-59741-9
Ruínas
Remotas barcaças, pedaços de vime.
Carcaças de tartarugas, rugas de vidro,
Pegadas de ti ou de ninguém, pedras.
E velas que hasteiam tantos náufragos...
A solidão que principia o fulgor do mar,
Em tempo de estio e de chuva, o clamor
Das ondas no rendilhar das espumas
E as ruínas dos álamos e dos ventos...
Tudo isso és tu, sândalo de mim, atear
Teu fofo no cismado, no qual crepitam
Ânfora e querubim, incensos antigos...
Ardores e quero sim, grandes amores,
Astros nublados, armaduras e pecados,
Gretas e terrores, pescados dourados...
Viagem
Em torno da odisséia das ilhas, creio levar
Neste puro desejo que me transcende, a senha
E a palavra-chave de os labirintos serem aqui
Simples lugares de passagem, apenas paisagem...
O andarilho palmilha todas as dunas, areias
De intermináveis desertos e todas as ondas
Que os oceanos concedem, quando furibundas
ou, mesmo, serenadas e das praias acariciadas...
Sem culpa, nem sina – ou de job puro devedor -,
Percorro de lés a lés o mapa que é de ti e do mundo
Como quem responde à morte o saldo estival...
Como quem salta para a eterna idade da vida
E fica suspenso entre a estrela e sua cadência
A riscar, de viajar tão-somente, o céu da noite...
Pluma na Lua
Para Nancy Morijón e Omar Camilo
Tendes vós, com mesuras retesadas, a noite
Com que o judeu, de Shakespeare, dita ali
Sua injustiça, profana ou santa, em Veneza
E encanados fostes do Verbo, e em primo frutos...
Fostes, das tremeluzentes estrelas, a cadente
E a rápida trajectória do risco e do cisco, ao micro
Olhar de um campónio aos vastos campos
E a mão incerta que à linha o peixe aguarda...
Poetas, como pescadores na lua, e em pluma
flutuam no jusante das plavras e a medra,
ora pedra, ora Fedra, à sombra de sua metáfora...
Em primo ou sopro derradeiro, Esopo ou átomo,
Ilhas irradiadas no espaço anil e vão do mar,
Sois aqui, dados frutos, meus implacáveis...
Cidade 2
vejamos metáforas vejamos pregões
vejamos néons vejamos acrílicos
pedras blocos cirílicos catedrais
sirenes dos semáforos o minarete
se és muçulmano dos vitrais
se és surfista ou sefardita
mais pedras mais blocos
mais gruas mais turistas
mais terroristas mais poetas
vejamos os graffitis
vamos comê-los
vamos comer denises
comamos metáforas
pregões...
Decifrar a pedra
Nem sempre me é fácil decifrar
Toda a fruta que, em teus lábios,
Sabe tão-só a beijos e carícias
Quão amiúde o poemas por dizer...
Nem sempre posso, do teu olhar,
Mirar o voo que nele se deseja
- Entre magenta, azul e violeta -,
E dele acalentam as cores furtivas...
Pôr as mãos sem tocar ao rente
Que são pêlos de ti e do infinito
E sem roçar, seja de leve, a lua ...
Sorver os sais, o suco das flores,
Os vinhos de nada, os halos de pão
E é pedra o que, de segredo, madruga...
Visita de Filinto Elísio à Biblioteca Nacional de Brasília. Dentre os poetas presentes,
destacamos: Jollson Portocalvo, Paulo Kauim, Javier Iglesias e Antonio Miranda. Ao centro, o poeta visitante. (14/04/2010)