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ARNALDO FRANÇA

Arnaldo Carlos de Vasconcelos França nasceu na cidade da Praia, Cabo Verde, em 1925. Graduado em Ciências Sociais e Políticas pela Universidade Técnica de Lisboa.

 

TESTAMENTO PARA O DIA CLARO

 

Quando do fundo da noite vier o eco da última palavra submissa

         E a patina do tempo cobrir a moldura do herói derradeiro,

 

         Quando o fumo do último ovo de cianeto

         Se dissipar na atmosfera de gases rarefeitos

         E a chama da vela da esperança

         Se acender em sol na madrugada do novo dia

 

         Quando só restar na franja da memória

         Lapidada pelo buril dos tempos ácidos

         A estria da amargura inconseqüente

         E a palavra da boca dos profetas

         Não ricochetear no muro do concreto

         Da negrura sem fundo de um poço submerso

 

         Sejais vós ao menos infância renovada da minha vida

         A colher uma a uma as pétalas dispersas

         Da grinalda dos sonhos interditos.

 

A CONQUISTA DA POESIA

         Era um castelo erguido na montanha
         da paisagem deserta submarina
tinha muros altamente inacessíveis
ao salto imaginário do meu pensamento

Minha musa você diga-me
onde mora a poesia
quero ir deitar-me com ela
quero amá-la toda a noite

Fiquei parado à porta do castelo
os muros tolhiam meus passos
mas de dentro vinhas gritos de alegria
de meninos correndo numa cerca

Minha musa você conte-me
a história da bela adormecida
que quando eu era menino
Manhanha gostava de me contar

No alto do castelo tinha um vulto
tinha uma mulher vestida de vermelho
lembrando-me todas as princesas encantadas
dos sonhos inocentes de minha infância

[ SONETO ]

Ouviu-te a voz longínqua sobre os mares
A quilha da ameaça que os cortava
E os homens que te ergueram seus olhares
Descem a mão que a arma empunhava.

Sobre os campos da terra e sobre os rios,
Sobre o verde das ervas, sobre as fontes
Pairam sinistras luas e sombrios
Sóis projetam a sombra sobre os montes.

Mas no horizonte lívido do dia
Recuam quando passa a nuvem fria
Os pássaros metálicos da morte.

E na amplidão da luz que resplandece
É de ti que surgiu a mão que tece
A esperança nova à humana sorte.
        

            SONETO INGLÊS

         Quando descer tranqüila e em descanso
         Sobre meu peito e meus olhos fechar,
         Saiba a Noite que errou em seu balanço
         De quem nunca cuidava de a esperar.
         Como um rio de margens apertadas
         Sem quedas ou saliências de protesto,
         Foram lentas as águas renovadas
         Na calma sucessão de cada gesto.
         Sonhos de eternidade, sonhos vãos
         P´ra quem não mereceu deixar memória,
         Que o gesso esboroou em suas mãos
         De um modelo sem rosto e sem história.
         Dormir. E o sono se retarde em anos
         E esqueça de cobrar meus desenganos.

 

Página publicada em agosto de 2008.




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