ANTÔNIO NUNES
nasceu na cidade da Praia, capital da ilha de Santiago, Cabo Verde, a 9.12.1917 (e faleceu em Lisboa, a 14.5.1951, vítima de uma menigo-encefalite). Fixou-se em Lisboa, por volta de 1940, e nesta cidade conviveu assiduamente com o grupo neo-realista de que fazia parte o seu patrício Teixeira de Sousa..
A sua estréia literária faz-se, em Cabo Verde, primeiro na imprensa, depois com o livro de poemas Devaneios, publicado em 1939, ao sabor ainda da estética anterior à Claridade. É aqui, em Lisboa, ao contacto com a nova geração neo-realista, que António Nunes se liberta dos cânones poéticos anteriores e envereda pela construção de um discurso poético social e autenticamente caboverdiano.
RlTMO DE PILÃO
Bate, pilão, bate,
que o teu som é o mesmo
desde o tempo dos navios negreiros,
de morgados,
das casas-grandes,
e meninos ouvindo a negra escrava
contando histórias de florestas, de bichos, de encanta-
[das...
Bate, pilão, bate
que o teu som é o mesmo
e a casa-grande perdeu-se,
o branco deu aos negros cartas de alforria
mas eles ficaram presos a terra por raízes de suor...
Bate, pilão, bate
que o teu som é o mesmo
desde o tempo antigo
dos navios negreiros...
(Ai os sonhos perdidos lá longe!
Ai o grito saído do fundo de nos todos
ecoando nos vales e nos montes,
transpondo tudo...
Grito que nos ficou de traços de chicote,
da luta dia a dia,
e que em canções se reflecte, tristes...)
Bate, pilão, bate
que o teu som é o mesmo
e em nosso músculo está
nossa vida de hoje
feita de revoltas!
Bate, pilão, bate!...
POEMA DE LONGE
Acendo um cigarro
e ponho-me a olhar
as casas que se elevam pela encosta…
Longe,
o Sol morre numa lagoa de sangue…
Entristeço-me.
Meus sonhos tornaram-se em nada,
minhas ambições nunca passaram de planos,
meus enlevos de amor nunca passaram de ânsias.
Página publicada em setembro de 2009
|