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Foto: /www.facebook.com/PedroPiresInstituteForCVStudies

 

 

ANA JULIA SANÇA

 

Ana Júlia Monteiro Macedo Sança,  nasceu em Cabo Verde, na África de língua portuguesa.

Seu primeiro livro — Arco Vírus e Vibra Sóis foi publicado em 1985 pela editora Peregrinação.

Poetisa laureada, a Ana já ganhou prêmios em Itália, Portugal e Estados Unidos. É funcionária do Consulado-Geral de Portugal em                                                              Toronto (Canadá).

 

 

 

INSÓLITO

 

A luz que a chama me prende

No caminho rude que meus pés me levam

E que meus olhos alcançam distâncias

Mesmo no insólito, continuo resistindo

As notícias chegadas de todo o canto da terra

Ao encontro implacável do homem com a natureza

O sopro trio do vento, enrijecendo o carácter

No perfil duro e fixo de cada ser

Milhares de lágrimas repartidas em cada pálpebra

E urgente e necessário que se combata o mal

E tempo de solidarizar e construir o bem

Ainda é tempo de inventar o Amor.

 

 

 

A UM POETA ESQUECIDO

 

Essas folhas silenciosas

De palavras adormecidas

Fazem-me lembrar

As cidades moribundas

Tudo sem sentido!

Esqueletos de versos

A espera de ressurreição,

Sem glória, sem apreço

Apenas amortalhadas

Num mundo forrado de desespero

E serpentinas de lágrimas

Ah, como é triste e desumano

Esse esforço vão

Reunir todo o sentimento

E depô-lo no esquecimento!

Sinto um espasmo incendiando em mim

Um pesadelo ritual

Quando leio um Poeta esquecido.

 

 

 

 

       CANTIGA AFRICANA

 

      

"O ló kalunga uá mu bangele...”

 

 

Assim cantava Denxo,
Ao som do pilão
Cantiga que aprendera
Nas roças de S. Tomé.

 

"O ló kalunga uá mu bengele..."

 

Denxo cantava e soluçava
Ao compasso ritmado
Do pó batendo no pilão
Para milho, fazer cachupa

 

       "Bangele-Lé Lelé..."

De balaio erguido na mão
Panela à espera do lume
Bolso sem um tostão
Denxo venteia seu milho

 

       "Lé Lelé.."

 

Perdeu o alento

Sua canção desfeita em lágrima
Sobre o farelo caído no chão
Enquanto pensa no seu irmão
Que ficou na terra do café.

 

 

 

 

SEIVA ETERNA

 

       (A meu pai - Caetano Macedo)

 

 

Na minha fronte ausente

Só tu persistes

Na água que circunda

O vale de recordações

Em que me encerro

Na areia que queima os meus pés,

Na orla verdejante que entoa uma canção.

Os barcos que cruzam o meu pensamento

Voam como borboletas coloridas

Que ao relento vão pousar suavemente

Nos mastros que ostentam o meu olhar.

Neste recanto que não é de ninguém

As abelhas zumbem e giram à volta

Neste espaço ausente igual a mim.

Vejo ressurgir a tua imagem

No intervalo das folhagens

Meu olhar vago se desfaz no vácuo.

O sol incide sobre o meu corpo estático

Sinto-me renascer como um simples vertebrado

Sob o ruído das gaivotas

em busca de sobrevivência

Etu,

Como relíquia Vais permanecendo

 

 

Página publicada em setembro de 2020

 

 

 

 

 


 

 

 
 
 
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