AGUINALDO FONSECA
Nasceu em Cabo Verde, em 1922. Sua poesia é muito difundida na web e em obras coletivas em diversos países.
TEXTOS EM PORTUGUÊS / TEXTO EN ESPAÑOL
MÃE NEGRA
A mãe negra embala o filho.
Canta a remota canção
Que seus avós já cantavam
Em noites sem madrugada.
Canta, canta para o céu
Tão estrelado e festivo.
É para o céu que ela canta,
Que o céu
Às vezes também é negro.
No céu
Tão estrelado e festivo
Não há branco, não há preto,
Não há vermelho e amarelo.
—Todos são anjos e santos
Guardados por mãos divinas.
A mãe negra não tem casa
Nem carinhos de ninguém...
A mãe negra é triste, triste,
E tem um filho nos braços...
Mas olha o céu estrelado
E de repente sorri.
Parece-lhe que cada estrela
É uma mão acenando
Com simpatia e saudade...
CANÇÃO DOS RAPAZES DA ILHA
Eu sei que fico.
Mas o meu sonho irá
pelo vento, pelas nuvens, pelas asas.
Eu sei que fico
Mas o meu sonho irá ...
Eu sei que fico
Mas o meu sonho irá
Nos frutos, nos colares
E nas fotografias da terra,
Comprados por turistas estrangeiros
Felizes e sorridentes.
Eu sei que fico mas o meu sonho irá ...
Eu sei que fico
Mas o meu sonho irá
Metido na garrafa bem rolhada
Que um dia hei de atirar ao mar.
Eu sei que fico
Mas o meu sonho irá ...
sei que fico
Mas o meu sonho irá
Nos veleiros que desenho na parede.
HERANÇA
O meu avô escravo
legou-me estas ilhas incompletas
este mar e este céu.
As ilhas
por quererem ser navios
ficaram naufragadas
entre mar e céu.
Agora
aqui vivo eu
e aqui hei-de morrer.
Meus sonhos
de asas desfeitas pelo sol da vida
deslocam-se como répteis sobre a areia quente
e enroscam-se raivosos
no cordame petrificado da fragata
das mil partidas frustradas.
Ah meu avô escravo
como tu
eu também estou encarcerado
neste navio fantasma
eternamente encalhado
entre mar e céu.
Como tu
também tenho a esmola do luar
e por amante
essa mulher de bruma, universal, fugaz,
que vai e vem
passeando à beira-mar
ou cavalgando sobre o dorso das borrascas
chamando, chamando sempre,
na voz do vento e das ondas.
TEXTO EN ESPAÑOL
TABERNA DEL LITORAL
Una lucecilla distante
Y um farol escupiendo luz
En la negra cara de la noche.
Todos es salado y nostálgico.
Vientos con olas en las costas
Hacen temblar la taberna
Que es un navío encallado.
Amor intenso y brutal
Entre navajas abierta
Y el abandono
De una ramera entre los brazos.
Andan en el aire desesperaciones
En densas volutas de humo.
Botellas, vasos, botellas
- Ay la sed del marinero…
Tatuajes picando la piel
Gritan el dolor y la braveza
De las aventuras en los puertos.
Gente de todas las razas,
Gente sin patria y sin nombre
- Apenas gente de mar.
Con voz de sal y de viento
Y barcos en los líquidos ojos.
Entran el Tedio y la Nostalgia
Mordiendo viejas cachimbas…
Entran y salen después
Llevando, a tumbos, un borracho.
Barajas, mesas y bancos,
Botellas, vasos, botellas
Y la cara del tabernero
Instiga a viejas revueltas.
¡y todo lleno de vicios,
Y todo lleno de sueño
Y todo lleno de mar!
Extraído de POETAS AFRICANOS CONTEMPORÁNEOS, org. Fayada Jamis, Virgilio Piñera, Armando Álvarez Bravo, Manuel Cabrera y David Fernándes. (Traductores). Madrid: Biblioteca Jucar, 1975.
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