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RUI AUGUSTO
Rui Augusto Ribeiro da Costa nasceu em 25 de Julho de 1958, Camabatela, província do Kwanza Norte. Frequentou a Faculdade de Economia da Universidade “ Dr. Agostinho Neto”. Durante uma década, 1980/90, foi editor da revista Mensagem, editado pelo extinto Instituto Nacional do Livro e do Disco(INALD). Foi membro do conselho editorial do jornal “Angolê Artes e Letras”. Como poeta tem colaboração literária dispersa no suplemento “Vida e Cultura” do Jornal de Angola e na extinta revista “Archote”. Rui Augusto faz também incursões pelo ensaio literário e político, a sua comunicação ao 1º Congresso de Escritores de Língua Portuguesa (Lisboa, 1989), dedicada à liberdade de expressão e a criação literária, foi particular e efusivamente saudada pelo auditório. É autor dos livros de poemas “A lenda do chá” (1987), “O amor civil” (1991) e “O colar de maldições” (1994).
FLOR OCULTA
Desperto sinto como o tempo
vem morar em mim
Devagar como quando crescemos
e se nos apagam indelevelmente
no rosto
os traços da mocidade
O meu destino ambíguo destino
se mistura ao destino
das coisas que passam
e eu colho a embriaguez
do efêmero
essa flor oculta
nas raízes do mundo
Inundada a fronte do existir
cristalizam-se-me no coração
imenso pomar
onde os frutos tardam
a amadurecer
as sementes do tempo
Sinto a luz e a sombra
dos contornos do tempo
cristalizando na pródiga
arte dos dias
sinalizados com números
nos calendários
a minha comunhão com o mundo
Humildo sou pois esse dia
que anônimo passa
cheio de antigas
e quotidianas coisas;
o crepúsculo rubro
a que a ciência
não retira a beleza
e que se apaga pouco a pouco
acompanhado do rumos das ondas
e da dança ritual do mar.
AS MINHAS ÁGUAS
São diferentes hoje os olhos
com que te abraço a cintura azul
Ó mar diferentes também
as nossas posturas ontológicas.
Hoje sou eu que te tenho
como espectador atento
do quebrar violento
do vidro das minhas águas.
E quase me igualaria a ti
no mimetismo das cores
não fossem tão escuros
os meus tons.
TALISMÃ
Pesada é a bagagem do viajante
que vai do não existir ao existir
e do existir ao não existir
Enquanto me dura essa viagem
que outros me doaram como herança
e à força de tanto vivê-la
fiz minha
de bom grado me desembaraçaria
de tanta coisa que levo
e me curva os ombros
Para que a vida me fosse leve
tão leve que pudesse voar
como um papagaio
de pronto me desembaraçaria
do lastro de lágrimas
que me torna escorregadio o piso
ou do cantil de fel
que se mistura à águia que sedento
bebo
De bom grado me desembaraçaria
dos amores perdidos
das más recordações
e principalmente
das culpas
que tive
e me fazem arrastar os pés
como pesadas grilhetas
Acontecesse porém o que acontecesse
não me separaria nunca
dum pequeno talismã
que me ofereceram e eu aprendi
não sem amargura:
“A imperfeição das coisas
é o espelho do sonho
e nele é quase perfeita a face do que amamos.
POESIA SEMPRE. Ano 13 Número 23 Angola e Moçambique Editor Marco Lucchesi.Rio de Janeiro: Fundação Biblioteca Nacional, 2006. No. 10 370
Exemplar da biblioteca de Antonio Miranda.
De joelhos
Se arrasta a arte de joelhos
tal pedinte
quando menos do que talento
o escriba necessita apenas
de um alvará.
Segundo flash
São mortais
quando marcham
as botas
dos que trazem
arrogâncias
escoltadas
de armas.
Inflação
Trazem sorrisos
de inflação
as laranjas
que se entregam
verdes
nos mercados
da vida.
E a nudez
prematura
das árvores
violadas
cobre-se
de frágeis
panos
de indecisão.
Tempestade
A copa agitada das árvores
é a crina do vento
que vara a cidade
de lés a lés,
com seu galope de água.
In O Amor Civil
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Página ampliada e republicada em abril de 2025.
Página publicada em agosto de 2017
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