MARIA ALEXANDRE DÁSKALOS
Maria Alexandre Dáskalos nasceu no Huambo (antiga Nova Lisboa), em Angola, em 1957. É filha do poeta e nacionalista angolano Alexandre Dáskalos.
Devido aos graves problemas decorrentes da guerra civil, em 1992 vem para Portugal com a mãe e o filho, reiniciando, em Lisboa, os seus estudos em História. Actualmente, é jornalista na RDP África e mestranda em História Contemporânea.
Para além de escrever para periódicos, publicou em Portugal, pela Editorial Caminho, Do Tempo Suspenso (1998), Lágrimas e Laranjas (2001). Obras anteriores: O jardim das delícias (1991); Do tempo suspenso (1998).
Fonte da biografia e foto: html.editorial-caminho.pt
O garoto corria corria
não podia saber
da diferença entre as flores.
0 garoto corria corria
não podia saber
que na sua terra há
morangos doces e perfumados,
o garoto corria corria
fugia.
Ninguém lhe pegou ao colo
ninguém lhe parou a morte.
*
Os anjos choram.
Uma cidade caiu
e os homens perderam-se nos trilhos
das casas agora desabadas.
As mulheres de joelhos em cima do
nada
já não sabem rezar.
Os anjos choram
e o balsamo de todas as
feridas
não chega até nós.
*
E agora só me restam
os poetas gregos.
O silêncio diz — esquece.
E o espinho da rosa enterrado no peito
é meu.
Os deuses nao assistiram a isto.
*
cheguei às portas secretas
atravessei as passagens interditas
e
no labirinto que negou os meus passos
vi tesouros que não eram meus
O IMPÉRIO
Algures um barco a afundar-se. Algures no Índico onde
tudo começou. As
tetravós envoltas em lãs saboreando a maresia, depois as
sobrinhas-netas
adolescentes. Usam cachos nos cabelos fartos. Blusas
brancas com
babados, golas subidas a arrematar em renda de frioleiras.
0 comandante passeava de quando em quando pela ala
das senhoras e
conversava-se sobre os trópicos. 0 barco estava cheio
de homens.
... Na mesma paisagem cactos gigantes. A flor de cacto-
cardo e flor da
noite. De novo o deserto e logo a montanha. Leite morno
e mais tarde
queijo curado. Lá fora no jardim as couves-flores
apoquentavam pela
ferrugem. Na cozinha os homens mexiam as saladas.
Intermezzo. Lento
ma no troppo. Ainda me lembro do primo afastado que
chegou e disse:
"sobrevoava aquela terra encarnada" — descia noutro
planeta. Depois
abrimos os baús de retratos a óleo e a carvão e desfilaram
as fotografias
em Pangim e Bombaim. Retratos e passado.
Circum-navegação.
De madrugada estavam estoirados e incapazes de refazer
o puzzle. Não
sabíamos da dificuldade: recomeçar no que se foi para
sair mais tarde ileso
e impune.
DIMENSÃO – REVISTA INTERNACIONAL DE POESIA. ANO XX – No. 30. Editor Bilharino. Capa; Visual de Gabrile -Alfo Bertozzi. Uberaba, Minas Gerais, Brasil: 2000. 200 p. No. 10 787 Uberaba, MG – Brasil. Capa: Visual de Gabriele-Aldo Bertozzi. Editor: Guido Bilharino 200 p. Ex. biblioteca de Antonio Miranda
Só o arco-íris esconde
todos os segredos.
A magia abre-se
em leque
por um instante.
A noiva vive lá no norte.
Seis meses sem uma noite,
e não houve um só raio de sol
que tocasse a sua alma.
Vem deita-te neste país
só ele te aquece.
Sempre, sempre noiva
a aurora.
----
Por um momento tão longo
e tão distante
se esqueceram do aroma
de maracujá e das rosas de noiva.
E depois o pranto desse momento
se fez em sapatos macios
e os calçaram
e se esconderam atrás de um espelho.
-----
Lançava as redes. Recolhia peixes, seixos
e conchas.
Mas o lodo a todos reduzia ao lodo novamente.
Fica tranquila. Duas vezes,
me deste sem saber o sossego das águas.
Lançava as redes. Lançava as redes às palavras.
-----
Não fujas ao desejo
não procures na contenção
a filigrana
colhe agora as flores de jasmim
ainda que seja perene
a fragrância.
---
Não poderás saber
que foste a breve primavera
depois de um longo inverno.
Não poderás saber
que os deuses repararam em nós
e os pagãos dançávamos.
Não poderás saber
que os sonhos se espelharam
em mil sóis.
E, assim não viste as pétalas
da flor na bandeja do chá.
*
Página ampliada e republicada em abril de 2024.
Página publicada em setembro de 2009
|