Fonte da foto: www.uea-angola.org/
MANUEL RUI
Manuel Rui nasceu em Nova Lisboa (hoje Huambo), Angola, em 1941. Com participação ativa em diversas áreas (política, social, cívica, ensino), alia a prática da advocacia, que exerce em Luanda, à escrita. Detentor de uma vastíssima, abrangente e multifacetada obra, tem colaboração dispersa em diversos jornais e revistas, figura em antologias de ficção e de poesia, e textos seus estão traduzidos em várias línguas. É membro fundador da União dos Artistas e Compositores Angolanos, da Sociedade de Autores Angolanos e da União de Escritores Angolanos. É cronista, crítico e ensaísta. Publicou até ao momento nove livros de poemas e mais de uma dezena de ficção: entre muitos outros títulos, Quem Me Dera Ser Onda (Prémio Caminho das Estrelas; adaptado para teatro e televisão e com várias reedições), Crónica de um Mujimbo, Rioseco, Um Anel na Areia, Conchas e Búzios (Infantil-juvenil), O Manequim e o Piano, Estórias de Conversa.
Fonte da biografia: http://namibianotombua.multiply.com/
EM JULHO N0 LUBANGO
Ha uma bruma matinal até o sol ser todo
luz que se filtra numa calma azul
sem nuvem o céu se faz de um infinito
para além dos largos ombros das colinas.
Em Julho nem todas as flores estão despertas.
Há no entanto o verde inatingível
dos arbustos que defrontam a geada.
No mais os troncos nus dos homens que atravessam
milhões de pensamentos e distância
na nómada paz de uma manada
e os meninos que são também pastores
de carne e leite laboriosa infância
à beira de estrada.
E os seios meios contrários do pudor
do frio. Em Julho e bem no alto
dos seios do Lubango os montes que o circundam.
ainda se vê um cristo miradouro
saudoso saudosista a despedir-se
de um tempo que abraçou
e que findou.
Em Julho no Lubango
oásis meio / caminho perto de um deserto / resistente
em Julho no Lubango para contar Novembro há sempre gente:
"E foi na serra a guerra as emboscadas
até chegar o dia da vitoria na cidade
e nós clandestinos já cá estávamos
e havia muito povo
de armas na mão desenterradas."
MUSEU
De meus antepassados não recordo
mas invento em cada pedra colocada
em praças por seus braços noutros braços
onde pombas poisam e turistas fazem
souvenirs de sol e manuelinos
E pátrias não conheço
Assisto aos exercícios outonais
da morte sem idade do cremar
olhos na distância por noivas adiadas
e mãos correndo terços das velhas esperando
a morte simplesmente
E deuses não conheço
Não fui navegador
embora me quisessem em vários continentes
em que sempre estive e disse nunca
para que naufragasse minha história com o peso
das grilhetas amarrado aos oceanos
E epitáfios não conheço
que ergueram meus braços
o está na Africa
a minha música
o está em Africa
a minha estatuária
não
está em África
idem para o meu marfim
as minhas lanças
os meus diamantes
o meu ouro
idem
idem
idem
PRAIA DA ILHA
Satírica a praia
tão cheia de latas
e seios meios
de mulatas
que até parece dantes
salvo as melhoras
cooperantes
Satírica a praia
a olhar-me envergonhada
nesse passar de lado
como se fosse importante
e ficar assim diante
a meditar
é para quem merece
e sobe e desce
e sabe mergulhar
Página publicada em agosto de 2009; ampliada em janeiro de 2016; ampliada em julho de 2017
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