Foto: http://www.redeangola.info/
JOSÉ LUIS MENDONÇA
José Luís Mendonça, nasceu no Gulungo Alto–Kwanza Norte, aos 24 de novembro de 1955. Estudou direito na universidade Agostinho Neto, em Luanda. Jornalista, membro da União dos Escritores Angolanos-UEA e alto funcionário do Fundo da Nações Unidas para a Infância (UNICEF), em Angola.
É autor de Chuva Novembrina (1981), obra que mereceu o prêmio de poesia Sagrada Esperança, Respirar as mãos na pedra ‘1989, com qual venceu o grande Prémio Sonangol de literatura – 1988; Quero Acordar a Alva – 1997, prémio de literatura ‘Sagrada Esperança – 1996, ex-aequo com João Maimona; Se a Água Falasse, primeiro prêmio dos jogos florais do Caxinde, 1997 e finalmente, Loga – Rítimos da alma, Pemas do mar 1998.
“Sou uma autoprocura infinita de mim mesmo”.
Teu ser
modelado a barro vivo
é de um breve negro
quando te sentas no chão
Escrava dos minutos infinitos
teu ângulo de água aberta
aquece
luas remotas.
EVOLUÇÃO
Homem, dinossauro sobrevivente
nos liames infalíveis da História
em ti eu estou consumado
e cada olhar que realizo
é uma voraz construção.
Porém virá o tempo
de sermos outra vez os monstros
desta era fantástica
e sobre a escrita calcinada das estrelas
alguém lerá
o disforme pescoço da civilização contemporânea
(in Chuva Novembrina, INALD, 1981)
OS BATUQUES OLHAM HÁ SILÊNCIO
Nas pálpebras rotas desta noite
os batuques olham Há silêncio
e infância de um anjo onívoro
Há um rio vertical que nos
demarcou dos mares sem itinerário
E um navio negreiro onde içamos
do fundo do ventre a placenta
dimensão do homem a granel
(in Respirar as Mãos na Pedra, UEA. 1988)
QUITANDEIRAS
Prenhes candeeiros a petróleo
à mesa do dia as quitandeiras ardem
menstruação de pássaro entredentes
é chibata é chibata fresquinha olha
carapau minha senhora eis aqui
um país que emerge nos bolsos de pedra
o escalpe luminoso dos navios
(in Respirar as Mãos na Pedra, VEA, 1988)
FRAGRANTE DELITO
Há signos de água incandescente no espaço
onde teus flancos ardem ó ave tatuada
na mão do silêncio A têxtil
maresia de seres A triste namíbia do teu riso
O fragrante delito do teu corpo
Os centauros de ternura que perseguem
teu voo de linho coração e água
Tudo o que em ti respira e o dia não conhece
sobre esta árvore branca escuta o meu quissanje
DIMENSÃO – REVISTA INTERNACIONAL DE POESIA. ANO XX – No. 30. Editor Bilharino. Capa; Visual de Gabrile -Alfo Bertozzi. Uberaba, Minas Gerais, Brasil: 2000. 200 p. No. 10 787 Uberaba, MG – Brasil. Capa: Visual de Gabriele-Aldo Bertozzi. Editor: Guido Bilharino 200 p. Ex. biblioteca de Antonio Miranda
UM PÁSSARO POISA E ESCUTA
à minha mãe
Palavras com as mãos cheias de negros
navios errantes lançam âncora
na pérola em chamas do teu ventre
onde o povo dorme e as hienas
bebem o mênstruo das fábricas
Percorrem caminhos de pão
batidos pelo sono dos espelhos
As verdes colinas das cidades
cava a alga indelével
Sobre esta pele branca de rinoceronte
um pássaro poisa e escuta
ODISSÉIA
Na grafia
vegetal
do teu mar
desliza
o mito
doutro ser
agrilhoado
ao sedentário mastro
do meu corpo
teu oiro
de kianda
na metálica
dimensão
do meu
flanco
NA LINHA DE FRENTE
aos combatentes angolanos
Na linha da frente
a bala
dos teus ossos
acumula pólvora
e o céu
habitado
pela luz dos mortos
emerge
do teu corpo
o sabor rectilíneo
da pedra
a água excessiva
despojos
do ardido março
sob o arguto olhar
dos séculos
*
Página publicada e ampliada em abril de 2024.
*
Página ampliada e republicada em abril de 2016
Página publicada em setembro de 2015
|