JOAQUIM CORDEIRO DA MATA
Joaquim Dias Cordeiro da Matta nasce eum Icolo-e-Bengo, 1857 – Barra do Cuanza, 1894. Poeta e ficcionista.
Obra publicada: Delírios (1889); além de várias obras desaparecidas.
Mapa de Luanda com a
Rua Joaquim Cordeiro da Mata
NEGRA!
Negra! negra! como a noite
d'uma horrível tempestade,
mas, linda, mimosa e bella,
como a mais gentil beldade!
Negra! negra! como a asa
do corvo mais negro e escuro,
mas, tendo nos claros olhos,
o olhar mais límpido e puro!
Negra! negra! como o ébano,
seductora como Phedra,
possuindo as celsas formas,
em que a boa graça medra!
Negra! negra!... mas tão linda
co'os seus dentes de marfim;
que quando os lábios entreabre,
não sei o que sinto em mim!...
II
Só, negra, como te vejo,
eu sinto nos seios d'alma
arder-me forte desejo,
desejo que nada acalma.
se te roubou este clima
do homem a cor primeva;
branca que ao mundo viesses,
serias das filhas d'Eva
em belleza, ó negra, a prima!...
gerou-te em agro torrão;
S'elevar-te ao sexo frágil
temeu o rei da criação;
é qu'és, ó negra creatura,
a deusa da formosura!...
UMA QUISSAMA
(A Carlos d'Almeida)
Em manhã fria, nevada,
n'essas manhãs de cacimbo
em que uma alma penada
não se lembra de ir ao limbo;
eu vi formosa, correcta,
não sendo europeia dama
a mais sedutora preta
das regiões da Quissama.
Mal quinze anos contava
e no seu todo brilhava
o ar mais doce e gentil!
Tinha das mulheres lindas
as graças bellas, infindas,
d'encantos, encantos mil!...
Nos lábios — posto que escuros
viam-se-lhe risos puros
em borbotões assomar...
Tinha nos olhos divinos
revérberos crystalinos
... e fulgores... de matar!...
Radiava-lhe na fronte
como em límpido horizonte
radia mimosa luz —
da virgem casta a candura
que soe dar a formosura
a graça que brota a flux!...
Embora azeitados pannos,
lhe cobrisse os lácteos pomos
denunciavam os arcanos
de dois torneados gomos...
Da cintura a palmo e meio,
bem tecidinho, redondo,
descia-lhe em doce enleio
um envoltório de hondo*
Viam-se-lhe a descoberto
— com arte bem modeladas —
(e que eu mirava de perto)
umas formas cinzeladas.
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Co'o seu andar majestoso,
co'o seu todo gracioso,
quando a quissama encarei;
eu possuir um harém
e n'elle ter umas cem
— como um sultão — desejei!...
*Hondo, fibra d´embondeiro de que os quissamas fazem vestuário.
Página publicada em fevereiro de 2009.
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