JOÃO TALA
João Tala nasceu em Malanje a 19 de Dezembro de 1959.
É médico exercendo a profissão em Luanda.
Iniciou a sua actividade literária na cidade do Huambo, tendo sido co-fundador da Brigada Jovem de Literatura.
No seu primeiro livro de poesia que sai a público apenas em 1997, João Tala revela uma auspiciosa contribuição para a renovação e diversidade do discurso poético angolano, que caracterizou a geração da Novíssima Poesia Angolana
Na opinião de José Luís Mendonça, João Tala é uma vocação poética a irromper no universo das letras angolanas com soberania inerente aos grandes criadores.
É membro da União dos Escritores Angolanos.
Obras: A forma dos desejos (1997), (prémio Primeiro Livro da União dos Escritores em 1997 e o primeiro lugar dos Jogos Florais do Caxinde em 1999); O gasto da semente (2000); A forma dos desejos II (2003).
Fonte: http://www.lusofoniapoetica.com
FONEMA D'ORVALHOS
Dou aos meus versos a sonolência dos teus gemidos
porque não encontrei outra mulher que me aguardasse
com o pote d'orvalhos viçosos:
manhãs de água se levantam no ímpeto
nutres as peles de meus tambores na humidade
para não mais esquecer as vogais despertas da erosão
desde o primeiro calvário ao hímen nucleado
que estendias nos meus braços de fome.
TONTURA
Ainda apagam pálpebras de volta à tontura
ainda o sentimento da nossa longa história
a ruína vai da notícia à revolução
palavras mortas nunca mais preenchidas
os rios demorados no sintoma dos países
e tudo passa e o poema indaga
o dia que acontece como uma ruína.
COLHEITAS UTERINAS
Da paisagem testemunhei a prova de fogo
o silêncio material e a riqueza metafísica.
Na tua lavra, irmã, há colheitas uterinas:
uma nova viagem para que nos regressemos
nós mesmos na indiferença.
Liberdade sem medo, conta os dedos da
tua mão procriada conta p'ra nação:
nosso machado secreto canta pela raiz
— Tens essa noção de fogo em tua tabuada?
ALÉM DA FORMA DAS SEMENTES
Todas as palavras de um ngoma são
lamentos da civilização. Tudo o que
pronuncio é um continente sobre
a memória dos ngomas
mas cada língua é uma nação de conversas
fortalece a raça do espírito o poema da
plebe
e este povo-irmão dissemina na minha
memória o continente erguido da semente.
APENAS PALAVRAS DE REDENÇÃO
Os dias fundam breves caminhos sobre
as palavras.
Não reclamo palavras economizadas,
a grande fortuna, não.
Nem uma imagem profunda nem
um abismo em nós.
Não reclamo palavras estafadas ou
mesmo ressentidas, marcadas de novas
[cicatrizes, não.
Apenas reclamo palavras de redenção
guardadas entre as revoltas.
DOU À ESCRITA MEUS TORMENTOS
Com medo dou à escrita o que pertence
às vitórias;
narro a fadiga o funeral
da abundância;
arrastei corpos iletrados e maravilhas
dos palácios e mesquitas;
disseram-me que calasse atentavam
contra as palavras;
feriram o pensamento;
as palavras vieram juntar-se a
tudo quanto não vi.
nunca mais verei nada!,
apenas o que disse das
palavras impacientes nas minhas retinas
demistificadas.
e deram-me um tiro na retina.
POESIA SEMPRE. Ano 13 Número 23 Angola e Moçambique Editor Marco Lucchesi.Rio de Janeiro: Fundação Biblioteca Nacional, 2006. No. 10 370
Exemplar da biblioteca de Antonio Miranda.’
Notas do povo. Meus Gatafunhos
Demasiado o verso fulcral em bocas de
traumatizados
são lágrimas devotas o diálogo sem pão;
volto aos problemas, puxo a língua do
oprimido e
com a caneta verbal o debate repousa
nos seus enormes olhos tempestuosos,
achados na
política geral de meus gatafunhos. — A
gíria das bocas
em rebelião.
Minhas palavras
As mesma palavras largadas no chão
cheias de
[caminhos.
As mesmas palavras esquecidas
largadas nos
[caminhos.
Palavras boçais repletas de
tempestades.
Palavras insatisfeitas repetidas nos
comícios
febris palavras convulsivas palavras
complicadas
palavras vazias destemperadas
incertezas;
o tédio das palavras muitas palavras!
Todas essas palavras com nos
ofuscaram
ninguém mais se lembra. Esquecemo-
las nos
comícios.
Nunca mais lhes daremos o valor da
palavra
[humana
com nossas vidas lidas nos comícios.
Nunca mais.
O meu poeta
É uma ortografia tangível memória
habitável
os seus passos de líricas;
é de palavras assim que assino o
homem;
enche o tempo e os cadernos do tempo;
de alma em barro confecciona pequenos
dias
de longas líricas, o meu poeta.
Quem o escuta?
Cabe na minha ortografia como a
saudade da
[palavra;
é um pequeno deus de coisas líricas.
De palavras assim o homem explode a
roda ortográfica tangível — alma da
gente;
ou como entendia a notícias de mãos
textuais
no corpo da palavras.
In: Lugar Assim
Página publicada em julho de 2017