Fonte: www.colegiosaofrancisco.com.br
JOÃO MELO
João Melo (Aníbal João da Silva Melo) nasceu em Luanda, em 5 de Setembro de 1955. Estudou Direito em Portugal e em Angola, licenciando-se em Comunicação Social no Brasil. Jornalista profissional, trabalhou na Rádio Nacional de Angola, no Jornal de Angola e na Agência Angola Press. Foi secretário-geral da União dos Escritores Angolanos. Atualmente, além de presidente da Comissão Diretiva da UEA, dirige uma agência de comunicação privada e é deputado à Assembléia Nacional.
Obra poética: Definição, 1985; Fabulema, 1986; Poemas Angolanos, 1989; Tanto Amor, 1989; Canção de nosso tempo, 1991; O Caçador de Nuvens, 1993; Limites e Redundâncias, 1997.
Veja também POEMA VISUAL
SOL NO MUCEQUE
Redonda lâmpada acesa
a amarela luz alastrando-se
por sobre o zinco das cubatas
Os fartos cabelos
das mulembeiras
raparigas cartando água
no chafariz
Meninos de barriga inchada
brincando com bola ou
tampas de garrafa
(Poemas angolanos)
LÍRICA XVII
Amada amada
porque suplicaste
que eu lançasse o meu esperma
contra o negro capim?
Avisaste-me é certo
que apenas te poderias dar
quando a lua furtiva se ocultasse
atrás das montanhas
Mas por um instante
imaginei loucamente
que fosse um acesso de romantismo
(Poemas angolanos)
TARDE A PINO
Um céu aberto
em que brilha uma enorme bola
pintada de amarelo
e donde caem
pequenos pássaros
de limpos tons quentes
que sonoros vão poisar
nas várias mulembas que
uma qualquer
mão certeira
estrategicamente aqui colocou
neste amplo terreiro
DIZ QUE ME AMAS
Diz que me amas sussurras
imploras exiges
berras
com todas as vísceras
diz diz que
me amas quem sou o que sou
furas-me
o peito
com tuas belas unhas azuis
quem sou eu nada tudo tua
diz que me amas explodes
explodes explodes
porque porque
quem és tu de que limbo
surgiste anjo contumaz
de que noite
atávica que flores
são estas
que irrompem de teus dedos
que pavor assoma aos
meus olhos quando
me amas diz
diz que me amas porque
me amas diz dizes xingas
e desfaleces
alegre &
triste pois
eu não tenho respostas prontas
eu apenas
te amo
ponto ponto.
REPOUSO
(tuas asas silentes levemente pousam
sobre meus olhos
e encobrem meus medos)
lá fora é a rua:
há um grito de cal
estridente como uma buzina
e cabeças passam
esfaqueadas pelo sol
aqui — tuas asas
enormes e vaporosas
apaziguam o clima...
há uma guerra lá fora:
o nosso amor contra a guerra?
— sangue jovem de pé
pelo nosso amor
ah, tuas asas tranqüilas me protegem:
deixei de escutar as bombas...
Quando sair, amor
estarei mais forte para a batalha
MELO, João. Tanto amor (1983-1988) Poesia. Porto, Portugal: União dos Escritores Angolanos, 1989. 68 p. (Contemporâneos) 13,5x19,5 cm.Ilustração capa: José Andrade (ZAN).
“(…) esta poesia choca preconceitos, estereótipo e toda a masmorra poética que atropela a criatividade” MANUEL RUI
TESE
O amor não se prepara:
espera-se
O amor não avisa:
surge
O amor não é oportuno nem importuno:
é uma oportunidade
O amor não se planta:
colhe-se
UM OLHAR PARA TRÁS
Quem sorverá o mel de teus lábios?
Quem queimará os dedos no veludo de tuas coxas?
Quem se embriagará com o perfume de teu ventre?
Quem tentará
inutilmente
decifrar os sinais
que eu deixei marcados na tua pele?
POEMA ESCRITO NUMA MANHÃ CLARA
A ternura tensa
na haste suspensa
pronta a rasgar-te
E de repente
um tambor rebenta
e canta e arde
na manhã clara
Que felicidade
esta de amar-te!
SONETO DA PROCURA
Procuro-te nos cantos meditabundos da casa
nas flores sem vida, nos reflexos esmaecidos
da patética luz derramada sobre a sala
na cama ridícula abandonada no quarto
Procuro-te no ar subitamente paralisado
no tempo suspenso, doloroso e cruel
no telefone irónico coberto de pó
nas cartas eróticas jamais concluídas
Procuro-te na espera impaciente de tua chegada
na poesia febril arrancada dos dedos
como uma cópula ardente de sangue e loucura
Procuro-te na terrível angústia do falo
quando a noite se abate sobre a cidade
e no esperma solitário despejado na pia
( Poesia erótica )
DIMENSÃO – REVISTA INTERNACIONAL DE POESIA. ANO XX – No. 30. Editor Bilharino. Capa; Visual de Gabrile -Alfo Bertozzi. Uberaba, Minas Gerais, Brasil: 2000. 200 p. No. 10 787 Uberaba, MG – Brasil. Capa: Visual de Gabriele-Aldo Bertozzi. Editor: Guido Bilharino 200 p. Ex. biblioteca de Antonio Miranda
DUAS LIÇÕES
I
Todos os materiais servem ao poeta:
o som de um tambor,
a angústia de uma mulher nua,
a lembrança de uma utopia.
A vida deposita, diariamente,
no altar profano da poesia,
a sua dádiva generosa:
estrelas e detritos.
E tudo a poesia sacrifica.
II
Para amar um poema,
é preciso ter coração e
sangue nas veias.
E que o poema seja uma carícia
ou um soco na boca do estômago.
DIMENSÃO – REVISTA INTERNACIONAL DE POESIA. ANO XX – No. 30. Editor Bilharino. Capa; Visual de Gabrile -Alfo Bertozzi. Uberaba, Minas Gerais, Brasil: 2000. 200 p. No. 10 787 Uberaba, MG – Brasil. Capa: Visual de Gabriele-Aldo Bertozzi. Editor: Guido Bilharino 200 p. Ex. biblioteca de Antonio Miranda
JOÃO CABRAL DE MELO NETO
Quase chará,
esse poeta-faca,
de verso agudo
como um bisturi;
de verso limpo
como a caatinga
e/ou enxuto
como a seca;
de verso áspero
e cristalino
como o grito
tenso da fome...
João Cabral:
mesmo quando
de Sevilha falas,
é só o sertão
que eu vejo
diante dos olhos,
melhor: dentro
do coração.
MAIAKOVSKI
A poesia de Maikoviski é uma estranha festa
reunindo operários artistas soldados camponeses
e discursos e canções e palavras d´ordem
e perplexidades e ansiedades e i(re)novações
guindastes vigorosos e heréticos
furando os céus e desmistificando
os deuses
explosões de aço no ar
homens bravios rompendo os invernos eternos
com os seus braços calorosos
e os seus olhos ingênuos
a forja domesticando o ferro
com as suas múltiplas línguas de fogo
e batalhões de soldados
marchando ao som de canções terrestres e profundas
uma orgia de formas
e imagens
e rimas
e uma lição permanente:
—a programação dos poetas é o suicídio das revoluções
LUANDANDO
luandando em luanda na ilha
no mussulo merguho lúdico
lívido limpo livre
no musseque mufete mesmo
com as mãos muxoxo malmente
me maluco de madrugada no maruvo
gombelo às baronas buelas
lhes berrido nos becos abuamados
bem que elas berram xé gombir
na farra farrista não há que faça
floreados firulas sem falhar
e se faltar faz-favor eu puxo faca
ando desando tresando
os dias recônditos iluminados
da cidade não ando: luandando
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Página ampliada e republicada em abril de 2024
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Página ampliada e republicada em abril de 2024
Página publicada em agosto de 2008; anpliada em outubro de 2016
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