JOÃO MARIA VILANOVA  
                        
                      Poeta e advogado angolano, João Maria Vilanova é,  de acordo com a convicção de alguns  ensaístas e críticos de literatura, o  pseudónimo literário de João Guilherme Fernandes de Freitas, nascido em 1933.  Contudo, mantêm-se ainda algumas reservas quanto à sua verdadeira identidade  civil, na medida em que sempre a manteve com algum "segredo". A aceitar  esta correspondência entre o poeta Vilanova e o cidadão João Guilherme, podemos  afirmar que feitos os primeiros estudos na missão católica de São Paulo, em  Luanda, onde frequentou também o ensino liceal, se licenciou em Direito e  exerceu a magistratura. Depois da proclamação da independência de Angola, em  1975, veio para Portugal, onde continua a viver sem franquear a sua identidade.  Foi funcionário público na região leste angolana e, em 1974, exerceu o cargo de  director da revista Ngoma.  
                         
                        Intelectual empenhado e preocupado com o seu país,  colaborou em vários suplementos literários e revistas, nomeadamente na revista  Cultura, no suplemento "Artes e Letras" do jornal A Província de  Angola assim como noutros órgãos moçambicanos e latino-americanos. Em 1971, foi  contemplado com o prémio "Mota Veiga" pelo seu livro de poesia Vinte  Canções para Ximinha, não tendo comparecido para o receber.  
                         
                        Como poeta da  "Geração de 70", os seus textos germinam numa situação de  intensificação da repressão e da censura colonial, numa situação de  "ghetto", que dificultava a circulação dos mesmos. Através de um  discurso caracterizado pelo rigor e pela concisão das palavras, discurso mais  implícito do que explícito, por força da censura, esses textos, com tiragens muito  reduzidas, reflectiam, então, a esperança de uma vitória certa, capaz de  conduzir Angola à liberdade. Poesia com uma forte componente ideológica,  enquanto espelho do empenhamento do povo, ela exalta a euforia revolucionária e  a reconstrução da Pátria totalmente dilacerada.  
                         
                        Ao lado de David Mestre, João  Maria Vilanova, que obstinadamente se mantém no anonimato silencioso, é  considerado um dos poetas que permite definir em toda a plenitude o chamado  "espírito de ghetto", enquanto espírito caracterizador de uma vivência  escondida, marginal, irreverente e inventiva que se projecta para além do  período colonial. 
                         
   A sua obra  figura em diversas antologias conceituadas, tais como: Angola Poesia 71;  Cancioneiro Angolano (1972); Presença de Ideialeda.Poetas Angolanos (1973);  Kuzuela II (1974); Monangola.A Jovem Poesia Angolana (1976); Antologia da  Poesia Pré-Angolana (1976); Literatura Africana de Expressão Portuguesa (1976);  Poesia de Angola (1976); No Reino de Caliban.Antologia Panorâmica da Poesia  Africana de Expressão Portuguesa,II (1976); Textos Africanos de Expressão  Portuguesa (1977); e Antologia do Mar na Poesia Africana de Língua Portuguesa  do Século XX (2000). São suas as seguintes obras: Vinte Canções para Ximinha  (1971) – Poesia.  
   
                        Fonte da biografia: Wikipedia 
                    Figura também na antologia POESIA AFRICANA DE LÍNGUA PORTUGUESA. Org. Livia  Apa, Arlindo Barbeitos e Maria Alexandre Dáskalos. Rio de Janeiro: Lacerda  Editores, 2003. Apoio da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro. 
                        
                      A MÃO DO VENTO NA SAVANA 
                        
                      Que voz perpassa 
                      em teu dorso quando 
                      a noite 
                      passos-de-onça 
                      se aproxima? 
                      Memória de areais 
                      Negras falésias? 
                      Se te escutando 
                      paciente é o trabalhar 
                      de onda. 
                      Eflúvios frémito 
                      um deus muíla que subisse 
                      monandengue 
                      só da raiz do sangue. 
                        
                        
                                  ILOMBELOMBE 
                        
                      noite 
                        mãe cega mãe oculta 
                        teu rumor 
                        entre os rumores da xana 
                        aí  
                        onde os carreiros te buscando 
                        não te achavam mais 
                        chegaste 
                        com eu passo incerto 
                        o rosto 
                        sulcado de mil luas 
                        a voz rouca 
                        de kitata vagabunda 
                        e soubeste 
                        oh mãe soubeste 
                        como os corvos tagarelando 
                        nossos despojos 
                        aguardavam sem cessar 
                        
                        
                        
                         
  
                        
                      Extraídos de: 
                      VASCONCELOS, Adriano Botelho de, org. Todos os sonhos. Antologia da Poesia   Moderna  Angolana.  Luanda: União dos Escritores  Angolanos "Guaches da Vida",    2005.  593 p.   
                        
                        
                      UmmAl-Marik ou  
                        Baghdad em baixo de fogo  
                        
                      Baghdad  a bela  
                      a das  trezentas e cinquenta mesquitas  
                        
                      a do  templo cristão circular de cúpula dourada  
                        a das longas alamedas ladeadas de palmeiras  
                      a dos  curandeiros  
                      a dos  encantadores de serpentes  
                        a dos contadores de estórias  
                      a dos  sempre buliçosos suk  
                      a dos  vendedores de tâmara  
                      a das  corridas de camelo terça-feira pelo cair da tarde  
                        a dos grandes matemáticos  
                      a dos  geómetras  
                      a dos  grandes astrónomos  
                        
                      a que  foi considerada de oriente a ocidente  
                        de pérola cultural do século doze  
                        Baghdad bela ela sofre na própria carne  
                        noite após noite  
                      torpezas-vilezas  ditas cirúrgicas  
                      pelos  mesmos filhos de Sotan que  
                      um dia  
                        
                      no  passado  
                        cirurgicamente  
                        
                      incendiaram  a Biblioteca de Alexandria  
                        para  
                      seguidamente  
                      nos  culparem a nós  
                        
                            povos a quem chamam de famintos  
        povos a quem chamam de selvagens  
                            povos a quem chamam de terceiromundistas 
                      povos a quem chamam de parias  
                        mas que não querem  
                      que não querem  
                      viver das duas migalhas  
                      Allah ..o_Akbar  
                      Allah ..o_Akbar.  
                        
                        
                      Colombo Caribe  
                        
                      Nos seus quinhentos anos  
                        De chegada  
                        
                      Colombo  
                        ele chegou  
                        no Caribe  
                        viu os índios  
                        e falou assim  
                        quero ouro  
                      os índios lhe deram  
                      ouro  
                      viu mais índios  
                      e falou assim  
                        quero ouro  
                      os índios lhe deram  
                        
                      ouro  
                      viu mais índios  
                      e falou assim  
                      quero ouro  
                      os índios lhe deram  
                      ouro  
                        
                      Depois 
                      ele Colombo  
                        pegou do ouro  
                      que os índios lhe deram  
                      fez  
                      duns tantos deles  
                      escravos  
                      e levou tudo  
                      prós reis de Espanha  
                        por entre  
                      bênçãos do Papa  
                      e o brilho cintilante  
                        dessa palavra  
                      CIVILIZAÇÃO  
                        
                      Teve  
                        porém  
                      o cuidado  
                      ele Colombo  
                        de deixar ficar  
                        lá no Caribe  
                      a cólera  
                      a varíola  
                      a gripe  
                      o sarampo  
                        
                      a tuberculose  
                        e a sífilis  
                        
                      É por  isso mesmo que  
                        a Cúria Romana  
                      por três vezes  
                      por três vezes  
                        
                      tentou fazer dele  
                        Colombo  
                      santo.  
                        
                        
                        
                      Kimbo  solitário coxilando  
                        sob o lado oculto da Lua  
                        
                      Esse  kimbo aí  
                      não tem  mais gente  
                        nem bicho  
                      pé da  porta não  
                        Ngulu que tu não  
                        comeu  
                      onça  ela comeu  
                        cabrito & sanji  
                          que tu não  
                          comeu  
                      onça  ela comeu  
                        e povo do lá  
                      e povo  do lá  
                      sem  nadica do nada  
                        para  
                      comer  
                      imabamba  dele  
                        cambeza dele  
                      surruu  
                        aiuê  
                      na mata  
                        quando que  
                      sem  galinha ciscando  
                        sem galinha ciscando  
                        galo negro  
                      todo  chapado em ferro  
                        hela  
                      ele  chegou  
                        
                        
                        
                      O Poeta  vestido a rigor  
                       
                      em  nossa terra  
                        
                      o poeta  pondera o fato  
                      poeta  transcende o facto & a  notícia  
                      poeta  sem astúcia  
                      poeta  sempre sempre com alguma malícia 
                       
                        
                      os  racistas temem o poeta  
                        os golpistas temem o poeta  
                        os inimigos do povo oh  
                        esses temem o poeta  
                       
                        
                      o poeta  sem tecto  
                      o poeta  sem tecto  
                    o poeta  vestido a rigor  
                      em seu  cadáver putrefacto.   
 
   
 
  DIMENSÃO – REVISTA INTERNACIONAL DE  POESIA.         ANO  XX – No. 30.  Editor Bilharino.   Capa; Visual de Gabrile -Alfo Bertozzi.  Uberaba, Minas Gerais, Brasil: 2000.  200  p.   No. 10 787      Uberaba, MG – Brasil.  Capa: Visual de Gabriele-Aldo Bertozzi. Editor: Guido Bilharino 200 p.                   Ex. biblioteca de Antonio  Miranda 
  
      canção-fala das mulheres de luto 
  
      Entre o voo e o voo 
        traiçoeiro o visgo. 
   
        Eis que tua teia 
        o gesto lentamente nos reteve 
        a nós 
        que no amanhar cuidados 
        (nossa arrimo)_ 
        haurimos 
        afinal 
        safra ruim. 
   
        Longas 
        longas são as estradas 
        onde a memória se consome.   
  
       canção  do regresso impossível 
   
         Do violão a corda 
         na pedra 
         da memória 
         (seu acorde). 
         Som? Nem som: 
         por vezes 
         o só vibrar apenas. 
         Ó loucura antiga! 
         Quanto até mesmo 
         em silêncio embuçada 
         te reconheço. 
   
   
         canção do sol suburbano 
   
          Ulcerado metal 
          que devagar 
          acendes 
          tua lâmpada 
          (Ah! o movimento secular 
          da mão) 
          e no zinco 
          a língua oscilas 
          (longa a língua) 
          tal se um deus pagão. 
  
* 
  VEJA e LEIA outros poetas de ANGOLA em nosso Portal: 
http://www.antoniomiranda.com.br/poesia_africana/angola/angola_index.html  
Página  publicada em abril de 2024 
 
                        
  
                  
                      Página publicada em abril de  2009.  
                  
  |