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Sobre Antonio Miranda
 
 


 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


Fonte: www.angoladigital.net/

JOÃO MAIMONA

nasceu em 1955, em Quibocolo, município de Maquela do Zombo, na província de Uíge. Em 1961, refugiou-se na República do Zaire. Estudou Humanidades Científicas em Kinshasa e em 1975 ingressou na Faculdade de Ciências, regressando a seu país em 1976. Dois anos depois, fixou residência em Huambo, onde se licenciou em Medicina Veterinária. É membro-fundador da Brigada Jovem de Literatura do Huambo e membro da União dos Escritores Angolanos.



AS MURALHAS DA NOITE

 

         A mão ia para as costas da madrugada.

         As mulheres estendiam as janelas da alegria

         nos ouvidos onde não se apagavam as alegrias.

 

Entre os dentes do mar acendiam-se braços.

 

         Os dias namoravam sob a barca do espelho.

         Havia uma chuva de barcos enquanto o dia tossia.

         E da chuva de barcos chegavam colchões,

         camas, cadeiras, manadas de estradas perdidas

         onde cantavam soldados de capacetes

         por pintar no coração da meia-noite.

 

         Eram os barcos que guardavam as muralhas

         da noite que a mão ouvia nas costas

da madrugada entre os dentes do mar.


MEMÓRIA


Baloiçando nos escombros de teu itinerário

saberás que os gados constroem estradas.

E quando a mão deslizar pela margem

das cicatrizes que se afundam na noite

saberás que a tua mão viaja para a

colina dos dias sem escombros

e saberás que no berço da noite jaz a luz

drogada e ouvida pela cruz sobre quem viajaste.

 

 

ARTE POÉTICA

 

Que erosão

no choque genésico das marés

de encontro às pedras habitadas.

 

Cai areia na areia.

 

Assim o gasto da palavra

limando os duros conformismos

libertando as verdades mais remotas

tão necessárias ao fruir dos gestos.


AS MURALHAS DA NOITE

A mão ia para as costas da madrugada.

As mulheres estendiam as janelas da alegria

nos ouvidos onde não se apagavam as alegrias.

 

Entre os dentes do mar acendiam-se braços.

 

Os dias namoravam sob a barca do espelho.

Havia uma chuva de barcos enquanto o dia tossia.

E da chuva de barcos chegavam colchões,

camas, cadeiras, manadas de estradas perdidas

onde cantavam soldados de capacetes

por pintar no coração da meia-noite.

 

Eram os barcos que guardavam as muralhas

da noite que a mão ouvia nas costas

da madrugada entre os dentes do mar.



A SENTINELA VINHA

 

A sentinela vinha. Cruzava os pés à porta

do meu jardim.

 

A sentinela da porta

das portas do meu jardim vinha

à hora primitiva.

 

Chegava. Cuspia na minha relva.

Como para render homenagem

ao meu sangue. É tão fácil

fazer a retrospectiva!

 

A sentinela vinha. Cruzava os pés à porta

do meu jardim. Cuspia na minha relva.

Enumerava as portas do jardim.

Perdido em declamações que acabavam

à porta das portas do jardim

não recordava os seu filhos. Suas trevas.

Seus caminhos.

 

 

Ó ANGOLA MEU BERÇO DO INFINITO


Era o seu poema. A porta das portas do jardim.

Ó Angola meu berço do Infinito

meu rio da aurora

minha fonte do crepúsculo

Aprendi a angolar

pelas terras obedientes de Maquela

(onde nasci)

pelas árvores negras de Samba-Caju

pelos jardins perdidos de Ndalatandu

pelos cajueiros ardentes de Catete

pelos caminhos sinuosos de Sambizanga

pelos eucaliptos das Cacilhas

Angolei contigo nas sendas do incêndio

onde os teus filhos comeram balas

e

regurgitaram sangue torturado

onde os teus filhos transformaram a epiderme

em cinzas

onde das lágrimas de crianças crucificadas

nasceram raças de cantos de vitória

raças de perfumes de alegria

E hoje pelos ruídos das armas

que ainda não se calaram pergunto-me:

Eras tu que subias montanhas de exploração?

que a miséria aterrorizava?

que a ignorância acompanhava?

que inventariavas os mortos

nos campos e aldeias arruinados

hoje reconstituídos nos escombros?

A resposta está no meu olhar

e

nos meus braços cheios de sentidos

 

(Angola meu fragmento de esperança)

deixai-me beber nas minha mãos

a esperança dos teus passos

nos caminhos de amanhã

e

na sombra d'árvore esplendorosa.)


A TORRE DA NOITE

a Joana Malata


deixarei a semana forjar
raparigas de Natal
o Natal que se une à rochas.

deixarei amontoar em minhas

mãos dóceis
esqueletos do mar.

deixarei a torre a noite
chorar e esperar
o ar enchendo a morte do mar
pelos brinquedos do céu
até que os dias se unam às noites

e deixarei a folhar escutar
à porta fechada
a luz sombria da fornalha.


QUANDO VEJO AS MINHAS PERNAS

quando canto os seios da velha mulher de prazer
em mim nasce a noite da palavra que não diz

despeço-me do rosto solar do oceano que diz
quando algo cresce em areias de meu corpo

porquanto a submemória das plantas
quando as plantas se rompem na cauda da luz

e quando as vacas olham o rosto do pastor
um bando de crianças estende as misérias  do pastor

e assim saúdam as minhas mãos
os gritos cronológicos
dos seios da velha mulher de prazer.

lembro-me dos seios na noite do barco.

 

 

A NELSON MANDELA

 

(Descer os degraus da Humanidade. Ver o mar escuro do fenómeno

errante do atrito de armas. Sentir com as palavras presas nos lábios

o perfume da discriminação distribuído a preço derrisório em Durban,

Pretória, Soweto...Olhar na propagação de sinais sombrios o desenho

da desunião e de outras dores inspiradas que nos vigiam enquanto

os homens degrau a degrau sobem o horizonte cruel. E assim surgimos

na árvore do quotidiano, quotidiano vivo, ingrediente da nossa tragédia.)

 


DIMENSÃO – REVISTA INTERNACIONAL DE POESIA.         ANO XX – No. 30.  Editor Bilharino.   Capa; Visual de Gabrile -Alfo Bertozzi. Uberaba, Minas Gerais, Brasil: 2000.  200 p.   No. 10 787      Uberaba, MG – Brasil. Capa: Visual de Gabriele-Aldo Bertozzi. Editor: Guido Bilharino 200 p.                   Ex. biblioteca de Antonio Miranda

 

 

        POEMA PARA CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE
                                   
No meio do caminho tinha uma pedra
                                                                                      C.D.A.


      
É útil redizer as coisas
      as coisas que tu não viste
      no caminho das coisas
      no meio de teu caminho.

      Fechaste os teus dois olhos
      ao
bouquet de palavras
      que estava a arder na ponta do caminho
      o caminho que esplende os teus dois olhos.

      Anuviaste a linguagem de teus olhos
      diante da gramática da esperança
      escrita com as manchas de teus pés descalços
      ao percorrer o caminho das coisas.

      Fechaste os teus dois olhos
      aos ombros do corpo do caminho
      e apenas viste uma pedra
      no meio do caminho.

       No caminho doloroso das coisas.


     
A RUA CONTEMPLADA IN VITRO
                                   
Para Cleide Simões

       
  o que podia ladrar entre as cortinas
        se perde entre os tambores
        que dizem a febre das palavras.
        as ilhas chovem em torno do sol.
        os sentidos se dissolvem entre páginas nativas.
        e o que podia ladrar entre as cortinas
        se perde entre os tambores
        que dizem a febre das palavras.
        sangram à boca do poeta as províncias da noite.
        as moscas do sino martelam no limiar do dia.
        ardem as pedras sempre que o dia recolhe os ossos.
        e quando desembarca a ausência do silêncio.
        ilhas adormecidas voltam a ferir a língua:
        o que podia ladrar entre as cortinas
        se perde, levado pelo vidro, entre os tambores
        que discretamente dizem a febre das palavras.

        mas o que escuta as escadas crivadas
        de sombras e janelas
        está no alto de uma cidade sombria.    


      
AS MOSCAS DO HORIZONTE   

       Sob a escuridão das estrelas.
       As moscas de asas largas encontram os caminhos:
       espalham as patas frescas
       através das luzes e dos mistérios da imagem salgada.

       Na noite de quebrar o fogo do barco:
       a asa esquerda desliza sobre a paisagem imunda
       a asa direita  — aberta sobre os horizontes
       e as fronteiras obscuras
       vai rompendo os desejos dos corpos translúcidos.

       São as chamas da minha terra húmida— essas moscas
       nuas como os pássaros da rua estagnada.       

 

DIMENSÃO – REVISTA INTERNACIONAL DE POESIA. ANO XII. No. 22Editor Guido Bilharino.  Uberaba, MG: 1992.  147 p.
Ex. biblioteca de Antonio Miranda

 

 

                       AS MERCADORIAS
                QUE DESLIZAM
              NA RUA PÚBLICA


       Os meus olhos passavam os dia a tocar
      os cânticos
      os violinos
      que se inclinavam para a saúde das aves.

      Na cadeia do dia ficavam os pássaros da noite.
      Pela primeira vez apertei a primeira
      mão do cavalo.
      E tudo desmaiava nas minhas mãos.

      Há quem queira saber do destino do regresso
      das aves que diante do espelho viam
      sangue isolado
      e os cães que vinham comprar

      o sangue do rosto do cavalo.
      Era uma mercadoria que cabia
      no cesto dos cães.

     A mercadoria há-de caber no estômago da ilha.

 

*
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Página ampliada e publicada em junho de 2024

 

Página publicada em agosto de 2008



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