Fonte: www.angoladigital.net/
JOÃO MAIMONA
nasceu em 1955, em Quibocolo, município de Maquela do Zombo, na província de Uíge. Em 1961, refugiou-se na República do Zaire. Estudou Humanidades Científicas em Kinshasa e em 1975 ingressou na Faculdade de Ciências, regressando a seu país em 1976. Dois anos depois, fixou residência em Huambo, onde se licenciou em Medicina Veterinária. É membro-fundador da Brigada Jovem de Literatura do Huambo e membro da União dos Escritores Angolanos.
AS MURALHAS DA NOITE
A mão ia para as costas da madrugada.
As mulheres estendiam as janelas da alegria
nos ouvidos onde não se apagavam as alegrias.
Entre os dentes do mar acendiam-se braços.
Os dias namoravam sob a barca do espelho.
Havia uma chuva de barcos enquanto o dia tossia.
E da chuva de barcos chegavam colchões,
camas, cadeiras, manadas de estradas perdidas
onde cantavam soldados de capacetes
por pintar no coração da meia-noite.
Eram os barcos que guardavam as muralhas
da noite que a mão ouvia nas costas
da madrugada entre os dentes do mar.
MEMÓRIA
Baloiçando nos escombros de teu itinerário
saberás que os gados constroem estradas.
E quando a mão deslizar pela margem
das cicatrizes que se afundam na noite
saberás que a tua mão viaja para a
colina dos dias sem escombros
e saberás que no berço da noite jaz a luz
drogada e ouvida pela cruz sobre quem viajaste.
ARTE POÉTICA
Que erosão
no choque genésico das marés
de encontro às pedras habitadas.
Cai areia na areia.
Assim o gasto da palavra
limando os duros conformismos
libertando as verdades mais remotas
tão necessárias ao fruir dos gestos.
AS MURALHAS DA NOITE
A mão ia para as costas da madrugada.
As mulheres estendiam as janelas da alegria
nos ouvidos onde não se apagavam as alegrias.
Entre os dentes do mar acendiam-se braços.
Os dias namoravam sob a barca do espelho.
Havia uma chuva de barcos enquanto o dia tossia.
E da chuva de barcos chegavam colchões,
camas, cadeiras, manadas de estradas perdidas
onde cantavam soldados de capacetes
por pintar no coração da meia-noite.
Eram os barcos que guardavam as muralhas
da noite que a mão ouvia nas costas
da madrugada entre os dentes do mar.
A SENTINELA VINHA
A sentinela vinha. Cruzava os pés à porta
do meu jardim.
A sentinela da porta
das portas do meu jardim vinha
à hora primitiva.
Chegava. Cuspia na minha relva.
Como para render homenagem
ao meu sangue. É tão fácil
fazer a retrospectiva!
A sentinela vinha. Cruzava os pés à porta
do meu jardim. Cuspia na minha relva.
Enumerava as portas do jardim.
Perdido em declamações que acabavam
à porta das portas do jardim
não recordava os seu filhos. Suas trevas.
Seus caminhos.
Ó ANGOLA MEU BERÇO DO INFINITO
Era o seu poema. A porta das portas do jardim.
Ó Angola meu berço do Infinito
meu rio da aurora
minha fonte do crepúsculo
Aprendi a angolar
pelas terras obedientes de Maquela
(onde nasci)
pelas árvores negras de Samba-Caju
pelos jardins perdidos de Ndalatandu
pelos cajueiros ardentes de Catete
pelos caminhos sinuosos de Sambizanga
pelos eucaliptos das Cacilhas
Angolei contigo nas sendas do incêndio
onde os teus filhos comeram balas
e
regurgitaram sangue torturado
onde os teus filhos transformaram a epiderme
em cinzas
onde das lágrimas de crianças crucificadas
nasceram raças de cantos de vitória
raças de perfumes de alegria
E hoje pelos ruídos das armas
que ainda não se calaram pergunto-me:
Eras tu que subias montanhas de exploração?
que a miséria aterrorizava?
que a ignorância acompanhava?
que inventariavas os mortos
nos campos e aldeias arruinados
hoje reconstituídos nos escombros?
A resposta está no meu olhar
e
nos meus braços cheios de sentidos
(Angola meu fragmento de esperança)
deixai-me beber nas minha mãos
a esperança dos teus passos
nos caminhos de amanhã
e
na sombra d'árvore esplendorosa.)
A TORRE DA NOITE
a Joana Malata
deixarei a semana forjar
raparigas de Natal
o Natal que se une à rochas.
deixarei amontoar em minhas
mãos dóceis
esqueletos do mar.
deixarei a torre a noite
chorar e esperar
o ar enchendo a morte do mar
pelos brinquedos do céu
até que os dias se unam às noites
e deixarei a folhar escutar
à porta fechada
a luz sombria da fornalha.
QUANDO VEJO AS MINHAS PERNAS
quando canto os seios da velha mulher de prazer
em mim nasce a noite da palavra que não diz
despeço-me do rosto solar do oceano que diz
quando algo cresce em areias de meu corpo
porquanto a submemória das plantas
quando as plantas se rompem na cauda da luz
e quando as vacas olham o rosto do pastor
um bando de crianças estende as misérias do pastor
e assim saúdam as minhas mãos
os gritos cronológicos
dos seios da velha mulher de prazer.
lembro-me dos seios na noite do barco.
A NELSON MANDELA
(Descer os degraus da Humanidade. Ver o mar escuro do fenómeno
errante do atrito de armas. Sentir com as palavras presas nos lábios
o perfume da discriminação distribuído a preço derrisório em Durban,
Pretória, Soweto...Olhar na propagação de sinais sombrios o desenho
da desunião e de outras dores inspiradas que nos vigiam enquanto
os homens degrau a degrau sobem o horizonte cruel. E assim surgimos
na árvore do quotidiano, quotidiano vivo, ingrediente da nossa tragédia.)
DIMENSÃO – REVISTA INTERNACIONAL DE POESIA. ANO XX – No. 30. Editor Bilharino. Capa; Visual de Gabrile -Alfo Bertozzi. Uberaba, Minas Gerais, Brasil: 2000. 200 p. No. 10 787 Uberaba, MG – Brasil. Capa: Visual de Gabriele-Aldo Bertozzi. Editor: Guido Bilharino 200 p. Ex. biblioteca de Antonio Miranda
POEMA PARA CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE
No meio do caminho tinha uma pedra
C.D.A.
É útil redizer as coisas
as coisas que tu não viste
no caminho das coisas
no meio de teu caminho.
Fechaste os teus dois olhos
ao bouquet de palavras
que estava a arder na ponta do caminho
o caminho que esplende os teus dois olhos.
Anuviaste a linguagem de teus olhos
diante da gramática da esperança
escrita com as manchas de teus pés descalços
ao percorrer o caminho das coisas.
Fechaste os teus dois olhos
aos ombros do corpo do caminho
e apenas viste uma pedra
no meio do caminho.
No caminho doloroso das coisas.
A RUA CONTEMPLADA IN VITRO
Para Cleide Simões
o que podia ladrar entre as cortinas
se perde entre os tambores
que dizem a febre das palavras.
as ilhas chovem em torno do sol.
os sentidos se dissolvem entre páginas nativas.
e o que podia ladrar entre as cortinas
se perde entre os tambores
que dizem a febre das palavras.
sangram à boca do poeta as províncias da noite.
as moscas do sino martelam no limiar do dia.
ardem as pedras sempre que o dia recolhe os ossos.
e quando desembarca a ausência do silêncio.
ilhas adormecidas voltam a ferir a língua:
o que podia ladrar entre as cortinas
se perde, levado pelo vidro, entre os tambores
que discretamente dizem a febre das palavras.
mas o que escuta as escadas crivadas
de sombras e janelas
está no alto de uma cidade sombria.
AS MOSCAS DO HORIZONTE
Sob a escuridão das estrelas.
As moscas de asas largas encontram os caminhos:
espalham as patas frescas
através das luzes e dos mistérios da imagem salgada.
Na noite de quebrar o fogo do barco:
a asa esquerda desliza sobre a paisagem imunda
a asa direita — aberta sobre os horizontes
e as fronteiras obscuras
vai rompendo os desejos dos corpos translúcidos.
São as chamas da minha terra húmida— essas moscas
nuas como os pássaros da rua estagnada.
|
DIMENSÃO – REVISTA INTERNACIONAL DE POESIA. ANO XII. No. 22. Editor Guido Bilharino. Uberaba, MG: 1992. 147 p.
Ex. biblioteca de Antonio Miranda
AS MERCADORIAS
QUE DESLIZAM
NA RUA PÚBLICA
Os meus olhos passavam os dia a tocar
os cânticos
os violinos
que se inclinavam para a saúde das aves.
Na cadeia do dia ficavam os pássaros da noite.
Pela primeira vez apertei a primeira
mão do cavalo.
E tudo desmaiava nas minhas mãos.
Há quem queira saber do destino do regresso
das aves que diante do espelho viam
sangue isolado
e os cães que vinham comprar
o sangue do rosto do cavalo.
Era uma mercadoria que cabia
no cesto dos cães.
A mercadoria há-de caber no estômago da ilha.
*
VEJA e LEIA outros poetas de ANGOLA em nosso Portal:
http://www.antoniomiranda.com.br/poesia_africana/angola/angola_index.html
Página ampliada e publicada em junho de 2024
Página publicada em agosto de 2008
|