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                    JOÃO ABEL 
                      
                      
                    Nasceu em Luanda  aos 6 de Julho de 1938. Obras  publicadas: «Bom Dia» (1982) e «Assim  Palavra de Mim» (2004).  
                      
                      
                    Alegoria ao Sol 
                      
                    Naquela tarde havia sol, irmão ...  
                      Sol 
                      brincando às esquinas  
                      colorindo as cubatas  
                      enfeitando os olhares ...  
                      Havia sol   
lrmao! ....  
                      
                    As crianças  saltavam  
                      na areia encarnada  
                      correndo e brincando  
                      fazendo bonecos  
                    - bonecos de barro  
                      entregues ao Sol  
                      nessa tarde infinita  
                      em que tu  
                    irmão  
                    olhavas nos olhos  
                      da fiel companheira  
                      um destino melhor.  
                    Havia Sol, irmão ...  
                      E as roupas secando  
                      em acenos de paz  
                      afastavam a dor  
                    que na tua alma sem brilho  
                      se fora acoitar.  
                    As galinhas  ciscavam 
                    no pequeno quintal,  
                      e as moças sem graça  
                      entregues à noite  
                      riam p'ro Sol  
                    que nessa tarde infinita  
                      havia.  
                    irmão.  
                    Havia Sol,  
                    - Sol nessa tarde  
                      Sol  
                    a brincar às esquinas  
                      a colorir as cubatas  
                      a enfeitar os olhares  
                      Sol  
                    irmão!  
                    Sol  
                    que tu procuraste  
                      erguendo as mãos  
                      simplesmente tocar. 
                      
                      
                    Bom dia  
                      
                    Ora então  
                    bom dia minha gente  
                      sadia  
                    Aqui vai o meu bom dia enorme  
                      polvilhado em toda a dimensão  
                      da hora verdadeira em que nós somos gente 
                    com toda a força de todos os caminhos  
                      Bom dia por aí  
                    cheio da beleza de tarefas de alegria  
                      e senso positivo  
                    rigorosamente positivo  
                    tal como este instante de sol que nos abraça  
                      neste bom dia apanágio  
                    neste gesto sempre eterno  
                    corre corre envolve tudo  
                    no tudo deste bom dia  
                    Bom dia irmã Salomé  
                      pai João avó Rosária,  
                      sorrisos para vocês  
                    Bom dia rios e pássaros,  
                      cidades e matagais  
                      mussocos e estradas de mar  
                      Bom dia rostos e rostos  
                      palavras gestos e acres  
                      minha sonata de vida  
                    em cada gota de pão  
                    Bom dia mãe Isabel  
                    mãe do meu reino do mar  
                      benção do meu procurar  
                    dos meus sons e dos meus muros  
                      Bom dia senhor doutor  
                    Dona Chica carro grande  
                    servente para o jardim  
                    Com uma flor diferente  
                    para cada sol de manhã  
                    Bom dia meninos de escola  
                      Bata branca suja d' óleo  
                    Pés descalços na lagoa  
                      correndo minutos e horas  
                      num Dinguir de aventuras  
                      de cajús e tambarinos  
                      
                    Bom dia na palma da mão  
                      na tela dos largos fantasmas  
                      altas casas avessos cheios  
                      fomes frios e sedes  
                    gente toda minha gente  
                      bom dia para vocês  
                    em labaredas de rosas  
                      campos e campos de asfalto  
                      bandeiras astros e cantos  
                      dedos frutos labirintos  
                      medalhas e símbolos abertos  
                      chuvas e feras e bruxos  
                      logarítmos e átomos  
                    sonos portas e estatutos  
                      esquinas vontades mitos  
                      Oh terra da minha gente  
                    ao suor desta manhã,  
                    aqui está o meu abraço  
                    que eu grito no canto enorme  
                      do calor do nosso sol  
                    aberto de par em par  
                    ao meu bom dia constante  
                      Aqui estou eu homem todo  
                      num gesto de amor total  
                      em cada rosto que passa  
                      cheio de pressa em chegar  
                      sem jeito de poder ir  
                    Eu homem músculos barro  
                      palavras e movimento  
                    sangue nervos e vontade  
                    na encontro comum dos sons  
                      da manhã desta cidade  
                      repetindo por aí fora  
                    o meu bom dia de gente  
                      
                      
                    Apontamento  
                      
                    curvada ao peso  
                      ao peso brutal  
                      
                    dos blocos de pedra  
                      e os olhos no chão  
                      os olhos na terra  
                      anda na obra  
                      levando o cimento  
                    a pedra e a cal  
                      
                    ao mestre pedreiro  
                      
                    e curvada ao peso  
                      ao peso da vida  
                      de lágrimas secas  
                    e sangue sem vida  
                      traz o seu filho  
                      preso nos panos  
                      nas Costas curvadas  
                      ao peso brutal  
                      
                    do cimento e da  areia  
                      que leva cantando  
                      ao mestre pedreiro  
                      
                      
                       
                
                    Extraídos de: 
                    VASCONCELOS,  Adriano Botelho de, org. Todos os sonhos. Antologia da  Poesia   Moderna Angolana.  Luanda: União dos Escritores Angolanos  "Guaches da Vida",   2005.  593 p.   
                      
                      
                    Quando  eu morrer  
                     
                      quando eu morrer 
                      veste o teu vestido branco 
                      e com uma rosa encarnada 
                      vai encharcar-te de mar 
                       
                      bebe vento em cada gota 
                      do encanto do dia a chegar 
                      e entende as palavras todas 
                      que te entrego som a som 
                      na fúria verde do gesto 
                      de um mirangolo qualquer 
                       
                      corre o círculo dos sorrisos 
                      na firmeza da partida 
                      e esquece o medo das nuvens 
                      que abraçam a nossa distância 
                       
                      e se ao longe me vires a acenar 
                      ri-te do louco que eu sou 
                      por ainda pensar em ti 
                       
                      toda vestida de branco 
                      desfolha a rosa encarnada 
                      escreve o meu nome na praia 
                      e vai encharcar-te de mar 
                      
                      
                      
                      
                    Página publicada em junho de 2012  |