FERNANDO FERREIRA DE LOANDA
(1924-2002)
Fernando Ferreira de Loanda nasceu em 1924 (em Luanda, Angola). Naturalizado brasileiro, foi jornalista e poeta. Faleceu em 2002, no Rio de Janeiro.
ODE PARA BARTOLOMEU DIAS*
Ah, Bartolomeu Dias,
marinheiro sem mulheres,
sem cais,
tanto suaste para divisar o Índico
além da tempestade e da fábula,
tanto quiseste ver-te senhor do Oriente,
plantar as quinas e a cruz muito além do teu sonho,
tantas estrelas seguiste,
louco e lúcido,
e outros tantos alfarrábios e adivinhos consultaste,
fundindo o real ao fantástico -
- e os poetas não falaram de ti, o proficiente,
nem dos teus sonhos,
nem dos fantasmas que evocaste,
embora sulcasses a cortina que envolvia
as palavras e o abismo.
.
Pensavas servir a pátria
e serviste a muitas,
Bartolomeu Dias da minha infância,
símbolo da minha raça,
fremes e estuas no meu peito,
e te apegas às minhas veias
para alevantar ao vento as velas
e me arrastar ao Índico.
.
Ah, Bartolomeu Dias,
meu Ulisses lusíada,
eu te sagrarei na pedra,
com a palavra e ante Deus!
Do outrora te lançarei ao porvir,
e não há tempestade
que te abata mais uma vez.
*Bartolomeu Dias, célebre navegador português, que dobrou, numa viagem ocorrida em 1487-1488, o extremo sul da África (Cabo das Tormentas ou da Boa Esperança), na busca lusitana da passagem para a Índia. Nasceu em data incerta e faleceu em 1500, em consequência do naufrágio da nau que capitaneava e que seguia integrada na armada de Pedro Álvares Cabral, descobridor do Brasil.
PARA JUAN LlSCANO
Como tantas coisas que sonho,
morreu o loureiro que plantei;
outras nem morrem: eu as adio,
certo de que jamais as realizarei.
MADRIGAL DE MONTEVIDÉU
Se teces, no teu fiar
enovela o madrugar.
Como ave falcoada
bebes por malamar.
Malama quem quer
canta por cantar,
rosa ou malmequer
amor amaro amarar.
Sega o amor cego
ou deixa-o madurar,
se sombra o desamor
num bar a nimbar,
não teças por tecer,
nem para o afogar.
De
LOANDA, Fernando Ferreira de.
Do amor e do mar.
Retrato de Iberê Camargo.
Rio de Janeiro: Livros de Portugal: 1964. 86 p. (Poesia Sempre, 21)
ODE
Acolitando nuvens
brancas não fossem.
Pastor do céu
anjos houvesse.
E em rapto febril
de vitrais, evadir-me
à luz, desvanecido
sob gelosias de fugas.
E ser o milhafre que tomba
exangue na travessia
infinita de uma longinque
latitude, à derradeira.
Mensagens experimentasse
e tudo esquecesse, após.
Não fora eu,
tu não serias.
Junho, 1947.
INVERNO
Assobiam-nos, vindo de um sul
frígido, ventos
que nos queimam a boca e as rosas;
o beija-flor enrijece,
a água congela e tolhe o peixe.
Mas o homem permanece — e é necessário
que seja lembrado numa estátua —
desvia rios, abre canais, constrói cidades,
voa e nada.
E procria sem necessitar de primavera.
LOANDA, Fernando Ferreira de. Do Amor e do Mar. Desenhos de Iberê Camargo. 3ª. Edição. Rio de Janeiro: ORFEU, 1968. 105 p.
Ex. bibl. Antonio Miranda / doação do livreiro Brito – DF
NETUNO
Meu sangue é de púrpura
e, não visto de través,
com Apolo me confundem.
Sou o não de argila
incriado nos interstícios
da memória de uma nuvem de coral.
Netuno eu me chamo,
Vênus comigo dormiu, e a possuí
à sombra de todos os quadrantes.
Após vem a lassidão, e sonolento
teço elegias ao abandono
dos que dormem nos meus domínios.
O LUSÍADA
Sou metade âncora
fincada no mar,
metade guitarra
a fadista a dedilhar.
Fincada no peito
trago a saudade
dos que no leito
do mar fundearam
para não mais voltar.
Sou o morno afago
de um fado, malogrado,
perdido no meu passado
numa guitarra a soluçar.
OFÉLIA
O mar te envolveu de espuma e quimera,
da bruma cavalos empinaram sonhos
úmidos no teu peito.
Pendeu da noite, talhado na morte,
o grito do albatroz — vindo de onde?
E os teu olhar molhado de alvorada
e de horizontes vários,
poetas guardam, e o diluem
em versos que surgem sem que saibam
justifica-lo.
Setembro 1959
POEMA DOS QUARENTA´ANOS
Vinte anos perdi
para que no deserto
colhesse rosas.
Hoje tenho-as à mão
mas já não me arrebatam
o rubro e o perfume.
*
Página ampliada e republicada em fevereiro de 2023
Página publicada em fevereiro de 2009; republicada em setembro de 2011.
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