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EDUARDO BETTENCOURT PINTO
Eduardo Bettencourt Pinto nasceu na Gabela, Sul de Angola, em 1954. Viveu em vários países após 1975, residindo atualmente no Canadá. É funcionário estadual, consultor informático e editor da revista literária "Seixo review", na Internet. Escreve para publicações no Canadá, Estados Unidos, Portugal e Brasil. Publicou vários livros de poesia e ficção.
Obra poética: Emoção (1978); Mão Tardia (19810; Emersos Tardios (1985); A Deusa da Chuva (1991); Menina da Água (1997); Tango nos Pátios do Sul (1999); Um dia qualquer em Junho (2000).
PINTO, EDUARDO BETTENCOURT. Da outra margem. 2ª. edição. Lisboa: Instituto Camões, 2001. 175 p. (Coleção Diáspora) 13 x 21 cm. ISBN 972-566-216-4 Ex. bibl. Antonio Miranda
FIM DE FESTA
Ardem os sinais do coração.
Eis o pátio, deserto e claro
onde adormeceram as palavras que disseste.
Chegam aos olhos e pousam, ressonantes.
Tudo dói, canta e arde
entre os estorninhos das sílabas.
Voltaste sabendo que há palavras
que nunca morrem como serpentes,
puras são, minúsculas conchas
dando à costa da fala
a chama entontecida e fulminante da claridade.
Neste pátio deserto da tua vida
dirás como o velho navegante das estações:
“Dou-me bem com o mundo
na selva do meu silêncio.”
OFÍCIO
Apagas uma palavra como o vendo árido a pegada.
Sem piedade, limpas do branco o balbucio tênue
como quem arranca do chão a erva daninha.
Fica entre os dedos um cheiro a terra fresca., húmida
e fértil.
Lavrador de música, pegas noutra.
Esperas que nesse passe um barco, os cântaros se encham
de vinho para a festa, ou uma maçã amadureça
nos tristes galhos do inverno.
Nunca sabes: as palavras são bailarinas imprevisíveis,
ou te levam para um campo de águas bravas
ou fogem de ti rindo, por seres tão pobre.
QUADRO MEDITERRÂNEO
Nas altas varandas da tarde os flamingos
eram os dias.
Mulheres de cinza estendiam roupas
em frágeis fios de espuma.
Na orla magma dos templos,
onde se ajoelhavam os mitos,
cantaste o jorrar do vinho,
o entornar de taças sobre os linhos da noite,
acesas estava as lamparinas, os hóspedes
nos degraus de júbilo.
Levantavas das vozes colunas de buganvílias,
ressoar de asa perdendo-se na distância,
tecedeiras olhando o paciente trabalho do verão
nos vasos das janelas
onde os gatos dormiam até ao fim
de setembro.
Chegaste nos cânticos dos trovadores,
no ranger das portas velhas das casas junto ao mar,
nesse homem que ninguém nota, sentado
em ervas de areia, nas pegadas brancas
do vento
e nos secretos presídios
da memória.
Página publicada em maio de 2020
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