POESIA ANGOLANA
Fonte: http://www.angonoticias.com/full_headlines_.php?id=28526
BETO VAN-DÚNEM
Nasceu em Luanda aos 28 de julho de 1935. Obra Publicada: 22 poemas para o 29 de março (2000).
Aquela Negra
Que me surgiu nas trevas da fantasia
Com olhar excelso d' escrava adormecida
Causou em mim clara e pura alegria
Seus olhos radiando turbação
Vincavam no rosto tristeza e dor
Pela constante sofreguidão
Causada por olhares cortantes de rancor
E com encanto e estranha melancolia
Deixando-me no olhar doce candura
Como a noite, nas trevas se sumia
Levando nos pomos a ventura
Quem és, donzela que encantas?
Quem és, jovem negra que matas?
Quem em minha alma deixaste noite escura
Provocando-me a insânia e a tortura
Súplica
Ah! Se tu Soubesses
Quão grande e espinhosa é minha dor
Talvez pronta te resolvesses
A quebrar as grimas e rancores
Que perturbam e ofuscam nosso amor
Se acaso vês em mim alguma falta
Que de todo contrariam teu pensar
Suplico prostrado junto a ti
Que impeças de mim essa tendência
Que por certo distrai meu forte amor
Se sem ti,
Para mim o tudo é nada,
Como o nada, contigo,
Para mim é tudo
Vem quebrar com teu poder
De mim tão grande mágoa
Para que eu siga a ti de coração
Sendo feito em tudo o teu querer
Cantiga da Mulata
Lencinho à cabeça
Lá vai a mulata
Luxenta e com pressa
Ao negro maltrata
Faceira e amorosa
Ao branco se abraça
E sempre vaidosa
Ao negro escorraça
Esperando o casório
Ao negro escarnece
E com riso ilusório
A mãe ela esquece
Mas ...
O branco enriquece
E deixa a mulata
Que sofre e padece
Perdida e sem prata
Depois d' enganada
Procura a mãe que padece
Com olhar resignada
O neto que cresce
A mulata chorosa
Lamenta a desgraça
Mas sempre vaidosa
Sorri a quem passa
Lá vai a mulata ...
Agora,
Modesta e sem pressa
Subindo o musseque
Ao negro se abraça
Olhando em desdém
O branco que passa
Tristeza
Quando um dia
Despertares
Dessa infausta letargia
E compreenderes
A febre da ambição que me consome ...
Quando entenderes
A expressão triste do meu olhar
Amargurado
Fitando o espaço
Numa ansiedade interminável
Quando souberes
Porque contemplo assombrado
O mar,
E invejo as aves que esvoaçam
Livremente pelo ar ...
Ah ... Então, Sim,
Nesse dia
Farto e desejado
Sentirás o coração palpitar
A maldição
De um ser aviltado
Que clama protecção
Esperança
A lua assoma entre as nuvens
Em rodopio com o contraste dos ventos
Raios de luz desfilam pelos matagais
Abafando prantos de ansiedade
E nas sanzalas solitárias
Quebram-se as trevas da noite
E renasce a esperança do amanhã
Despertar
Não digas nada
Mesmo que eu pergunte
Quem és!
Não digas nada ...
Mesmo que os trovões rebentem
Sobre a nossa cabeça
Protestando contra o vazio
Que nos rodeia
Não digas nada ...
Fecha os olhos e sorri
Quando os clarões rasgarem os céus
Para iluminarem o romper d'aurora
Extraídos de:
VASCONCELOS, Adriano Botelho de, org. Todos os sonhos. Antologia da Poesia Moderna Angolana. Luanda: União dos Escritores Angolanos "Guaches da Vida", 2005. 593 p.
Página publicada em setembro de 2011.
|