ARNALDO DOS SANTOS
Arnaldo Santos énatural de Luanda onde nasceu em 1935. Fez os estudos primários e secundários em Luanda. Na década de 50 integrou o chamado "grupo da Cultura".Colaborou em várias publicações periódicas luandenses entre as quais a revista Cultura, o Jornal de Angola (da década de 60), ABC, Mensagem da Casa dos Estudantes do Império. É membro fundador da UEA. Passou a infância e a adolescência no bairro do Kinaxixi, topónimo que ocupa um lugar privilegiado na sua produção narrativa. Aos vinte anos de idade publicou a sua primeira colectânea de contos Quinaxixi. Com o livro de crónicas Tempo do Munhungo, arrebatou em 1968 o Prémio Mota Veiga, um dos poucos atribuídos em Luanda, na década de 60 e 70. Arnaldo Santos é um autor que se situa num nível singular de tratamento da linguagem. É um preciosista na depuração do texto narrativo curto e de todos os seus recursos e elementos. Daí que a sua ficção narrativa não tenha conhecido até à década de 90, variações para além do conto (Kinaxixi), crónica (Tempo do Munhungo) e novela (A Boneca de Quilengues). No dizer de Jorge Macedo, ele usa " lexias-kimbundo no interior de um português de luzidia correcção". O seu nome é uma referência incontornável, associada àquele minimalismo narrativo que, nas gerações seguintes, encontraremos em Boaventura Cardoso. É um dos poucos narradores que evidencia elevado sentido de rigor na selecção dos tipos de personagens. Na sua obra inicial, reconhecemos traços caracteriais de uma perfeita articulação da psicologia das personagens a esse espaço urbano de Luanda que obedece à lógica e história predominantemente autóctones.
Fonte da biografia: www.nexus.ao/kandjimbo
Leia mais sobre a vida e obra do autor em: www.nexus.ao/kandjimbo/recensoes/arnaldo_santos.htm
Estática claridade
Tem no ar simulações de cores.
Porém na linha dura deste dedo
Ha cemitérios cobertos de cruzes
,Nódoas de pastosas manchas borbulhando mágoas.
Densas manchas de silêncios
Sentimentos
Tons convulsos de soluços...
Estática claridade
Tem no ar simulações de cores
No fundo constante sempre negro.
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Nasci
com os meus lubambos*
no pescoço
Ninguém me contou
ainda os sinto.
São eles
que me fazem sofrer
os sofrimentos da erva tenra
sob as botas
velar a insônia das sementes
e cantar as lavras em bandeira
São eles
que me juntam
a quem se aquece na fogueira
e me arrastam
na mesma esteira do povo.
Nasci
com os meus lubambos
no pescoço
Não ando só
e sou sempre novo.
NO ROSTO DA CRIANÇA
(No massacre de Kamabatela)
No céu convém
a nuvem
E na terra
o sêmen da lança
No rosto da criança convém
o riso
E não o gume da catana
inciso
(1986)
REGRESSO DOS CONTRATADOS
Bandeiras sem cores
Tremulam ao vento...
Passa o camião
onde vozes cantam.
São homens que voltam.
E o sonoro canto
vai longe... longe
às cubatas sós
onde mães esperam.
Bandeiras desejos
Tremulam ao vento...
E as vozes deixam
na esteira dura
com o pó da estrada
cantos de renúncia.
E tremulando sempre
Bandeiras sem cores
Agitam desejos.
Nas sanzalas
Nascem vagidos novos!
(Uíje/ agosto de 58)
RETRATO DE MULHER NUA, COM SOLDADOS
Nua
Tinha tatuado na púbis
um caminho que desprezaram
O próprio rosto desnudaram
E os seus sonhos de virgem
Jogaram-nos manchados nos panos
que rasgaram
Quieto
O seu olhar era longínquo
como a entrega que buscaram,
No seu ventre
não havia um frêmito
e os seios
pendiam infecundos.
(Uíje/ setembro de 61)
DOIS POEMAS DAS REDES
I
Do polegar que faz o passo
Do rumo imóvel
As redes crescem
Também de mim e dos meus rumos
as redes entrelaço.
E as malhas
nascem dos nossos dedos
Prisões de frutos
Que o mar nos nega.
II
A lavra do mar era grande
Mas as malhas
Não tinham a largura dos seus grãos
Colhiam corpos
que vinham à tona de um sonho hebo.
Quando as mabangas
prenderam os pés das redes na lama do mar
então
As redes d’água sentiram
a espessura dos seus cabelos crespos.
BEIJOS-DE-MULATA
(Para a ZEZA)
Os beijos-de-mulata
não têm perfume
Apenas
a limpidez do seu desejo
branco
Ou
uma concêntrica fúria
acesa de tacula-roxo-carmesim
além de ser
a melhor droga contra o câncer.
Pra que perfume...?
Onde elas crescem
morrem as outras plantas...
(17.5.86)
Página publicada em outubro de 2008
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