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Sobre Antonio Miranda
 
 


 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 
 

ANTONIO DE MATOS PEREIRA

 

Nasceu em Serpa, em 19Jf3, e aos seis anos foi para Moura, onde reside. Frequenta o curso nocturno de Formação de Serralheiros. Tem publicado poesia e conto em vários suplementos literários. Ê redactor de «A Planície». Escreve ainda teatro e representa e declama. Obteve o 1." prémio ex-aequo de poesia, nos Jogos Florais-1961, patrocinados pelo «Juvenil — Diário de Lisboa». De colaboração com Tói Galvão, publicou, em 1962, um caderno de poesia.

 

Extraído de:


MÁKUA – Antologia Poética 2.  Direção de Garibaldino de Andrade e Leonel Cosme.  Sá da Bandeira, Angola, 1963.  Ex. bibl. Antonio Miranda

 

 

 

BILHETE DE VIAGEM

 

Vou.

Multiniciado,

suspeito ou enfraquecido.

 

Os olhos não os levo:

queimou-mos há muito um bagaço de alívio.

 

Irei sem lábios nos pés

e nos lábios a certeza da fecundidade da terra

— tragédia talvez de ter beijado qualquer vencido —

 

Vou por saber
que há raízes

e o mundo está no que estiver comigo.

 

Sou eu afinal fonte de reconhecimento
medo

o medo de perder a corrida
essa corrida onde serias eu

obre
  eu.

 

Multiniciado
multidesencontrado
ponto final da natureza
começo de mim próprio.

Poetas, ainda os há,
poetas — juízes de deformados
poetas — os que sobem aos telhados
e tiram fotografias...

 

Vou distendendo um sonho cancelado,

em busca do telhado, do gesto da palavra, do novo dia.

 

 

 

SUBIU UM CORPO

 

Os morcegos passearam de dia
e encontraram mais alguma coisa.

 

Foi quando o poema se evitou

o poeta bebeu satisfeito uma tarde feita de válidos

e inesperadamente o bibliotecário

não tinha livros nem horas

estava livre e pensou em enormes serpentes

para transpor buracos e muros.

Salvos o sangue e as madrugadas!

Enquanto uma Nação inteira aliviada

iniciava uma nova literatura

festejava-se a morte mais diurna

que criava as próprias flores da sepultura.

 

 

 

REPETIÇÃO

 

Serenos estão os braços:
não mordem; não comem.

 

Serenos estamos todos nós
para ninguém chorar.

 

Apáticos.

O dobrar duma esquina recolhe outra rua.
Desde que nasça um filho, nascemos nós
e renasce a chaga.

 

A rua está além
e não convém corvos nas gargantas
nem abraços de escamas.

 

Serenos estamos.

Apáticos ao espelho da peleja dum cair imenso amigo.

Entretanto a terra volta a erguer o seu leito até ao

                                                              [Gólgota

e a felicidade emagrece no bico duma ordem.

 

 

 

Página publicada em setembro de 2017


 

 

 
 
 
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