POESIA ANGOLANA
ADRIANO BOTELHO DE VASCONCELOS
Adriano Botelho de Vasconcelos nasceu em Malange aos 8 de setembro de 1955. Secretário da União de Escritores Angolanos.
Obras publicadas: Voz da Terra (1974), Vidas de Só Revoltar (1975), células de Ilusão Armada (1983), Anamnese (1984), Emoções (1988), Abismos de Silêncio (1992), Tábua, Grande Prêmio Sonangol de Literatura – Ex- aecquo (2003), Boneca de Pano: Colectânea do Conto Infantil Angolano (2005), Caçadores de Sonhos:Antologia do Conto Angolano (2005), Olímias (2005); editou os jornais: Unidade e Luta (1974), Angolê-Artes e Letras (1984), Maioria Falante (RJ) e concebeu Webdesign do site da UEA: www.uca-angola.org.
Confissão
ah, desconsolação por não poder
pedir-me em
s.o.s.!
não sei se sou sinceramente quem peregrina
nas estrofes das confissões em saber quens
ou o que resta de real em
meu ser.
Podes crer que muitas vezes
verteremos o nosso ser em avessos
de dúvidas, querendo ser outros
querendo ser nadas
violentando-nos
com espadas.
Ah, os dias saltama sem esperarem
por mim, tudo se adia em amarelecimentos
e fico sem saber em que lugar
ficar, sem ter
em que verdade
me ouvir
e dar.
Sou um alvo, tenho procurado
atingir-me - dizem-me os dias ajoelhados nos
degraus.
Confissão
é ter que percorrer os húmidos escolhos
de meu ser, despedir-me do "eu"
crescido no teatro
da vida, despedir-me
de identidades estranhas
que moldaram o meu
rosto.
Não sei de que mortes fala o meu ser
cansado de tanto tropeçar na calçada
das desilusões. Fulmino com dor
o corpo que tenho e estou
sempre à procura
de me agarrar em pedaços
e achar a desordem das minhas idades.
Era o vazio distante de um abismo
denso de muitas noites sobre as manhãs
e eu dizia em delírio branco
que era a terra desadubada
no silêncio da
loucura! (havia ainda
fragmentos de luz pálida de sombra
nas portas de meus
olhos).
Quero sentir-me como as plantas
que no interior das casas esticam o pescoço
dos seus corpos à procura da luz
há muito que estou
atrás dos biombos das sombras em conflitos
que desconfiguram ainda mais
o meu rosto! Necessito de lentes
de luz para conhecer
a miopia do
meu ser!
Além de tanta tempestade, o que resta
se não simplesmente a recordação
de que por aqui passei em
castigos Íntimos.
Ai escutem já não posso guardar-me
nas esteiras das noites que levantam os morcegos
da minha alma mirrada
em não se conhecer.
Quero confessar-me, num só dia permitir
que minhas mãos percorram os labirintos
do meu corpo ... por isso
preciso de chaves que abram
as janelas da minha
existência.
Dicção de angústias que fendem
o mármore das quimeras em minhas mãos.
Esvaziou-me de ante os olhos a existência
nada em mim está além do agora
o ir sem saber em que lugar
sair. Os olhos espirirualizados na voz
não descodificam o sin tagma dos passos
que hermetizam o castiçal
do meu corpo.
Oh, deus destino, sentir vivo
quando me interrogo e me invade a infância
em ofertas de balões, mas se penso
espessa solidão me desperta
em culpas e confina-me
no beco trivial
da vida.
Estarei na praça pública
sem fantasias estranhas
para dizer que vivo, sob penas
de castigos em não me
aceitar. Não me acudirei
quero que vossos olhares atinjam
com pedras o meu masturbante silêncio
e que preguem em meu corpo cartazes
com dizeres que degredem
o meu ser.
Caros amigos, meus pés tenho-os rede
em mares amantizados de luas e barcos que me têm
inumado em luzes mansas de ouro
à seguir o que me é
olvidado, por não
me dar a
VIver.
Kalunga Luigi, só os náufragos sabem dos
templos que seguram o leito dos rios
para manterem compreensível a língua
da sanzala
da água nasce a língua da tribo, espelho
claro de música libertando a imagem
sob calcanhares que mantêm aleijados
os pássaros. Há um som de flauta que faz
as mulheres oferecerem-nos uma esteira
e mel. Quando se morre seca sempre um rio
apertado no fundo da terra. Eis um sino
e um martelo de falsos comícios que lançaram
de modo cínico estéreis utopias. Reúnam
os homens para resolverem a unidade da tribo
porque se as águas se apartam em turvas errâncias
veremos germinar raízes de pedra e áscuas nas praças
triunfo da cinza anulando a hidrografia dos mitos.
Só a liberdade poderá ainda que desapossada
revelar a beleza da água
como uma lua potente que ensaia o peixe
e deixar uma renda à volta do namoro
para que nenhum gesto de pêsames aconselhe
o valor doentio e pobre do luto que se consolida
com molduras de silêncio.
Tentativa de continuação do canto de Neruda
que passeia devagar com cabeleira de jardins
que fazem esquecer
a morte
em nós o ouvido que sabe do vento
a dobra do destino como à pakaça sabe
das planícies os rios que o silêncio
encruzilhou na bainha dos caçadores
e os pássaros e o segredo da noite
que penetra seus cavalos nas árvores
até as sanzalas ficarem imóveis
agarradas aos castiçais do medo
até os kimbandas espalharem a coragem
com o incenso dos ngomas. Há mudança.
As arestas que fecharam a mão dura
VASCONCELOS, Adriano Botelho de. Luanary. [ Luanda ]: União dos Escritoes Angolanos, 2007. 232 p (“Guaches da Vida”) 15,5x23 cm. Capa: Desenhos na areia. Col. A.M.
13.1. «Todas as mães estiveram no átrio da igreja
onde Deus mais se sentiu encurralado, diante dos seus prantos,
fotos e acusações... Tudo era por demais evidente:
o que a sua obra tinha de imperfeição,
de menos coração, porque esperavam
que o sopro que deu vida ao barro
tivesse como deixar o mistério da água formar o tecto
oculto que torna mais lilás o dia». O Juiz Maior não pode aceitar
a verdade que mais se segura pelo circo e luz de oratório
diante de todas as hipóteses que a noite mais abre
em festa à imagem de pássaros feridos
que levam o céu para dentro da terra só porque erguem
uma estátua com a perfeição de um pavão e panfleto: «O cavalo
atravessa a sanzala quando todos os batuques
que gostam dos soldados são guardados com ossos
de sombras onde se pode chamar com intimidade
os criminosos». «A verdade perde-se por entre
as escamas do mundo, um político retoca o ângulo
da sua sombra por onde surge o aplauso, é-lhe elevado
o valor dos sinais que aproximam os anjos
das nossas sortes e sentas-te onde te é permitido afeiçoar
os cotovelos. Apesar de algo se desmoronar, passas
as mãos pelos objectos como folhas de fórmica
ou estufa: ah, não é essa a verdade
do teu espaço...».
32. «Usaste a minha mão direita como ponta
do teu veneno, nem uma vara de vime
bem cozido te responderia em melhor ímpeto.
Fechei portas para que os velhos não tivessem
os lábios gretados pelo sal da verdade
onde mais pudesses sofrer
por abertos e iguais confrontos». As palavras
só traçam uma doutrina onde se guardam
todos os rosários que fizeram a marca
do leão. «Não tens como acabar com as vogais
que fazem a minha verdade, sei que o tecto,
os triciclos, nossas lavras de milho, valem muito mais
do que uma guerra entre uma vespa
que tem os olhos precisos no vigiar
das vítimas e duas asas que nos enganam,
mas longe de reconhecerem a cicatriz
dos tropeços que acontecem onde sempre se diz
existir o seu néctar. Por isso estou aqui
para servir-te com as argúcias
antigas».
Página publicada em agosto de 2011
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