SÃO FERNANDO BEIRA-MAR, de Antonio Miranda
Edição artesanal de DULCINÉIA CATADORA. São Paulo, 2007
Capa de cartão coletado na rua e pintada por crianças.
No livro de poesia ‘São Fernando Beira-Mar’, Antonio Miranda, através de novas reordenações dos signos e das imagens poéticas, opta por uma estética do exagero para denunciar a violência urbana.
A série já inclui obras de Antonio Miranda, Carlos Pessoa Rosa, Douglas Diegues, Glauco Mattos, Haroldo de Campos, Manoel de Barros e outros autores.
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Leia:
PREFÁCIO
Carlos Pessoa Rosa
Quando as relações entre o que se vê e o que se diz, entre o que se faz e o que se pode fazer, transformam a própria realidade em exercício ficcional, no caso presente, em uma grande tragédia, levando imagens e signos a um surto escatológico, hiper-realista, qual deve ser a posição do escritor, como ele deve pensar a ficção? Como ordenar, narrar e interpretar os fenômenos desse social que nos cerca de um modo poético?
Miranda escolhe trilhar um caminho estético que acentue o trágico, através de novas reordenações dos signos, de imagens, intensificando ainda mais o que denuncia. Tarefa nada fácil, pois existe o risco de se repetir o conteúdo trágico do dia-a-dia, repertório banalizado pelos meios de comunicação. Justamente o que, nesse mundo cheio de absurdos, de balas perdidas, de mortes inúteis, corrupção, omissão, negligência, não ocorre no trabalho do poeta.
O mundo poético passa a ser tão caótico, alucinante, fútil, cheio de exageros, absurdos e paradoxos quanto a realidade, um mundo onde sinos de igrejas invisíveis repicam os queixosos, parafusos obstinados e pregos anunciam o fim, e mortos calcinados riem de nós. O estético do poema passa a ter compromisso com o excesso, o sangue deve se mais que sangue, o vômito mais que vômito, anjos raivosos devem estuprar monjas, o escarro deve ser ácido, o catarro curtido.
Enfim, quando se perdeu o respeito por tudo, resta ao poeta perder o respeito pela poesia, e o poema deve ferir mais que a bala perdida, se possível deve feder mais que um cadáver putrefato, no impossível deve conter vermes alimentando-se de palavras mortas.
Carlos Pessoa Rosa
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Essas cantigas designam um gênero poético altamente satírico e irônico que foram criadas e bastante utilizadas na Idade Média. A cantiga trata-se da fusão da canção com a poesia, daí seu vínculo musical e poético. Consoante Massaud Moisés (1969, p.25) “a cantiga de escárnio conteria sátira indireta, realizada por intermédio do sarcasmo, a zombaria e uma linguagem de sentido ambíguo”. Já “a cantiga de maldizer encerraria a sátira direta, agressiva, contundente, e lançaria mão duma linguagem objetiva sem disfarce algum!, (Idem, ibidem) valendo até palavras de baixo calão. Essas características compõem bem quadro de São Francisco Beira-mar (2004), o que o aproxima da natureza da antipoesia. Alguns críticos teceram importantes comentários sobre o livro. Dentre eles, Affonso Romano de Santa´Anna: (apud MIRANDA, 2004c, p. 15) “que coisa, ANTONIO, isso é Goya puro, tipo “desastres da guerra”. Parabéns!”. A comparação estabelecida com a obra do pintor espanhol é muito necessária uma vez que este artista tornou-se bastante conhecido por suas produções esperpênticas e a antipoesia e o esperpentismo estão sempre próximo devido a suas similares características constitutivas.
Geraldo A. Lobato Franco (apud MIRANDA, 2204 c, p. 15) investe uma crítica que se aproxima mais do universo deformante citado e denunciado pelo poeta maranhense em São Fernando Beira-Mar: “Anal, bestial, cloacal, dedural. Continue-o, não para por aqui, vá até ao zê de zebroidal! Faca-o a la Duquestrada. Hinonacionalize-se. Beiramarize-se!” Os signos elencados no primeiro período dessa citação adjetivam uma realidade brasileira pontuada com seus problema. Portanto, criticar e agredir aqueles que promoveram essa situação, ou melhor, maldizê-los, significa reagir contra um sistema desumano que nega o direito de uma coletividade em função da individualidade ilícita e amoral. A sugestão do crítico para dar continuidade à discussão proposta nestas linhas antipoéticas posiciona-se como um apoio à liberdade de expressão e mais precisamente como um incentivo à produção artística enquanto recurso de denúncia contra as arbitrariedades e as ilegalidades que enodoam e desonram a realidade sociopolítica brasileira.
Por isso, consideramos digno o imperativo afirmativo “Hinonacionalize-se”, isto é, que o hino nacional torne-se um canto de delação que afronte agressivamente as iniquidades. E mais, que a poesia seja uma cantiga constante a favor da liberdade, da verdade e da dignidade. Fazendo uso da linguagem peirceana, a poesia deve investigar a problemática a fim de propor abduções (hipóteses), induções (a verificação da aplicabilidade das hipóteses) e deduções (a operacionalização do que foi proposto) que visem a apontar e limpar as mancha que impregnam um país.
Transpassando as fronteiras brasileiras, Sofia Vivo (apud MIRANDA, 2204c, p. 15) de Buenos Aires, declara-nos sobre essas cantigas de escárnio e maldizer: “Tu demencial poema es excelente como todo lo tuyo, pero con ese tu humor negro, uno le da ganas de ”tirarse em las vías de un tren y quedar chato como un vintén”. Lo haré circular por estos pagos, que no andan muy lejos de la nomenclatura brasileña”. Interpretamos o conceito de insano, isto é, perverso, como o estilo atrevido da poesia mirandiana. Aquele que além de tornar público onde sujo está, aponta o autor da contaminação e seus efeitos de causa e consequência. O humor negro reporta-se à visão e à linguagem debochada dos textos deste poeta, o que marca a acidez de seu estilo e sua coragem por erigir uma voz poética desconhecedora de obstáculos. Unindo-se a esse universo de ousadia, A. B. Mendes Cadaxa, diplomata, poeta e dramaturgo brasileiro, propões ao bacabalense por onde deveriam circular os escritos de São Fernando Beira-Mar (2004):
“São Fernando Beira-Mar” tremendo libelo sobre o Brasil de hoje, um verdadeiro círculo de Dante, onde pululam todas as podridões que nos cercam. Permito-me sugerir o seu envio a membros selecionados do Executivo, Legislativo e Judiciário. Quem sabe um deputado ou senador terá coragem de lê-lo em plenário e pedir sua inserção nos Anais do Congresso (apud MIRANDA, 2004c, p. 15).
O pensamento abdutivo de que algum deputado ou senador teria a coragem de ler estes escritos em plenário e solicitar sua inserção nos Anais do Congresso interage com o humor negro e debochado dessas linhas antipoéticas. O comentário foi tão crítico e satírico quanto o próprio texto de São Fernando Beira-Mar (2004). O referido diplomata assevera que seria uma forma de colocar os líderes governamentais brasileiros ante suas vilezas. E atrevendo-nos mais que o recém-citado poeta, no momento de o texto ser proferido em assembleia, que fossem diretamente citados os nomes dos protagonistas responsáveis pela proliferação do caos em que se encontra a nação. Encerrando a exposição da arguição dos críticos dessa obra, Elga Pérez-Laborde, em seu artigo A poesia sem limites de Antonio Miranda (2007), declara:
PÉREZ-LABORDE, Elga. As contradições poéticas de Antonio Miranda. São Paulo, USP, 2207a (Encontro Nacional da ABRALIC 2007: Literaturas, Artes e Saberes).
A imagem do Brasil emerge mais crua e violenta em São Fernando Beira-Mar, o poemário que identificou genericamente como “Cantigas de escárnio e maldizer”, remetendo-se medievo e ao mesmo tempo à crônica policial misturada aos aconteceres políticos, de onde também pode ser alimentada a antipoesia, mostrando um pathos, um quadro patético, das neurotizadas metrópoles de América. Assim nos leva dos risos aos prantos (2007b, p. 35).
O exposto nos apresenta observações necessárias à compreensão desta referida obra. A fusão entre o gênero de crônica policial ao da antipoesia condiciona-nos a intensa referência ao cotidiano, pois em ambos essa característica é assaz proeminente. Se é crônica, então, reporta-se aos fatos do dia a dia e se é antipoesia, evidencia-se o mesmo. Além disso, essa especificidade cronística aproxima-se de uma postura jornalística cuja intenção é noticiar todo e qualquer tipo de verdade, como um retrato fidedigno da realidade que nos circunvizinha.
(Obs. Na tese, continua a análise do poema. Aqui apresentamos apenas a introdução...)
In: DIAS JUNIOR, Valter Gomes. A poesia de Antonio Miranda e suas intersemioses. João Pessoa, PB: Universidade Federal da Paraíba, Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes, Departamento de Pós-graduação em Letras, 2014. 268 p. Tese de doutorado defendida com Louvor. (p. 216-219)
MIRANDA LANÇA LIVRO NA ARGENTINA
Notícia sobre o lançamento do livro em Buenos Aires, publicada em
LIVROS & CULTURA, no. 6, Julho 2006, da Editora Thesaurus:
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