George Durand
Canção 2
Soam campanas ao vento
Soam campanas ao vento
Do meu pressentimento
Daquele modo de morrer
Antes de ter nascido
Mesmo de ter nascido
Voam pássaros no vento
No momento
Deste meu confinamento
O horror
horror de estar preso
Do lado de fora da casa.
Olhando pela janela
A paisagem,
A paisagem lá dentro.
Andar, andar
Andar numa vida imaginária
Andar, andar
Andar em círculos concêntricos.
Numa caixa dentro de outra
Caixa, dentro de outra
Caixa, dentro de mim
Pois acabo de voltar
de onde eu nunca fui
sem nunca ter ido
de onde eu nunca fui
E logo, derrotado, regressar
para onde nunca estive
para onde nunca fui
AUTO-RETRATO
Às vezes sou um, às vezes sou outro:
todo mundo é assim, ou é assado.
Eu, sem fugir à regra, transgredi.
Fui, ao mesmo tempo, eu e o outro
-um para dentro, outro para os outros
mas, confesso, sou igual a todos
num disfarce que é a outra face
de uma falsa dicotomia.
Nem religioso eu sou, nem romântico ,
muito menos ideólogo ou assumido
de qualquer coisa, na minha infidelidade,
falta de fé. E, no entanto, obstinado
quase otimista porque realista
-na reversão da contradição.
Sou um pouco o Orlando da Virginia Woolf
o Patinho Feio disfarçado de Dorian Gray.
Li uma montanha inexpugnável de livros
tentei reescrevê-los, sem qualquer humildade
subi, letra a letra, degraus estonteantes
delirantes, construindo arquiteturas etéreas
no círculo vicioso das virtualidades banais.
Deveria rasgar todas as frases deletérias
todas as imprecações, todas as contrafações
verbais e venais que produzi – lixo execrável.
Deveria envergonhar-me de minha falsa polidez
de minha insensatez, minhas impropriedades
mas sempre tenho a firmeza dos inseguros
enquanto os crédulos, os convictos
não resistem às próprias contradições.
Transgredi mas, juro, apenas verbalmente.
No mais, sou casto na minha perversidade.
Sou beato na minha mais íntima heresia.
E mais despretensioso do que a minha soberba.
Deu para entender? Nem Deus pressente
aquela dor que finjo que deveras sinto
ao plagiar aquele poeta que nem mesmo venero.
MEU NOME
Antonio, menino, vamos conversar:
por que foges do castigo, se ele vai te alcançar?
Prá que tanta rebeldia, socando ponta de faca?
Aonde te levam estas pernas de caminhar
tantas fugas, recusas, tanto ensimesmar?
Antonio, menino, por que blasfemas?
Que te leva ao prazer do sofrimento
ao pensamento avesso ou travesso
a contradizer o sim e a reiterar sempre o não?
De onde vêm estas idéias de suicídio
enquanto amas saturado e satisfeito?
Tantas páginas escreves! Tantas leituras
apressadas, tanta angústia de ser
tantas perguntas impossíveis, desejos
sonhos absurdos, planos inconseqüentes!
Que amigos são esses que não voltarás a encontrar?
Que lugares tu buscas que deixarão de existir?
Que amores te queimam que se vão dissipar?
Que idéias te movem que logo vais superar?
Acaso essa birra vale o que a motiva?
Frente a frente, somos dois desconhecidos
que se negam, contradizem, se acusam.
Espelho maldito a revelar o nosso estranhamento.
Não me acuses do que não fostes capaz!
Nada sou daquilo que pretendias ser!
Nunca fui amado tanto quanto querias!
Nem amei tanto quanto querias que eu amasse...
Antonio, por favor, reconheça o teu fracasso
e deixa espaço para eu existir
sem ter que justificar-me diante de ti!
Deixa eu ser feliz no meu conformismo
- de achar que tenho o que mereço
enquanto tu deliras e deliras!
Por que estragas o meu sossego tão frágil
azedas a minha felicidade tão precária?
A partir de hoje o meu nome é Outro.
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