MIGUEL OTERO SILVA
(1908-1985)
Quando eu morava em Caracas, no final da década de 60, Miguel Otero Silva era já uma das maiores personalidades das letras e do jornalismo venezuelanos. Escritor reconhecido, dramaturgo e poeta respeitado, e proprietário do jornal mais influente da país — El Nacional. Homem da chamada “Generación del 28”, de origens marxistas e defensor da democracia. O jornal dava espaço generoso para as artes e a literatura.
Por casualidade, pelas mãos de Blanca Alvarez, que era diretora da Biblioteca Nacional (onde eu trabalhei), cheguei à diretoria do Ateneo de Caracas, a principal instituição privada da cultura do país. E a presidenta era justamente Maria Teresa Castillo de Otero Silva, então esposa do escritor e mãe de seus dois filhos. Estive com o escritor em sua casa em mais de uma oportunidade, numa delas em companhia de Darcy Ribeiro, numa homenagem ao visitante Miguel Angel Astúrias, que acabava de ganhar o Prêmio Nobel de Literatura. Nunca cheguei a ter intimidade com escritor, mas ganhei dele um exemplar do livro de poesias La Mar que es el Morir (publicado em 1965).
Mas nossas obras se cruzaram, por casualidade. O Ateneo montou sua sátira Don Mendo, sob a direção do talentoso diretor de teatro argentino Carlos Gimenez. E Carlos dirigiu meu texto Tu País está Feliz, com músicas de Xulio Formoso, e revesávamos, nos mesmos dias, o mesmo palco, até que o nosso sucesso acabou merecendo substituir a peça do grande escritor na temporada seguinte.
El Nacional, por obra e graça de Maria Teresa, abriu-nos as páginas com muitas e sucessivas reportagens e entrevistas sobre nossas montagens, viagens, prêmios.
Agora recebo este poema pela Internet, que faz parte de homenagens ao saudoso Miguel Otero Silva, e me apresso em traduzi-lo.
ANTONIO MIRANDA, agosto 2006
DEDICATÓRIA de Miguel Otero Silva
para Antonio Miranda, em 1970.
“He muerto tantas veces
Que ya el morir es desplegar un vuelo.”
.....
“He muerto tantas veces
que ya el morir es remontar la vida.”
“Morri tantas vezes
que já o morrer é despegar um vôo”
.....
“Morri tantas vezes
Que já o morrer é remontar a vida”.
I
¡No! No es posible vivir como los ríos
cantando entre laderas y lirios
o entre agudos peñascos y ramajes tronchados
sin presentir la mar que los espera,
el infinito verde y encrespado
en cuyo corazón de sal los ríos se transforman en peces.
No es posible divagar como el fuego
iluminando rostros de danzantes risueños
o tiñendo vetas de angustia en las caras dolorosas
sin recelar la brisa que matará la luz
ni la lluvia que tornará sus rosas en ceniza.
En mitad de la vida cantamos a la muerte
que es la mar de los ríos y el agua de las llamas.
Extraídos de LA MAR QUE ES EL MORIR. Caracas: Publicaciones del Ateneo de Caracas, Editorial Arte, 1965. 78 p.
I
Não! Não é possível viver como os rios
cantando entre ladeiras e lírios
ou entre agudos penhascos e ramagens truncadas
sem pressentir o mar que os espera,
o infinito verde e encrespado
em cujo coração de sal os rios se transformam em peixes.
Não é possível divagar como o fogo
iluminando rostos de dançantes sorrisos
ou sulcando angústias nos rostos sofridos
sem pressentir a brisa que extinguirá sua luz
nem a chuva que verterá suas rosas em cinzas.
Na metade da existência cantamos à morte
que é o mar dos rios e a água das chamas.
Extraídos de LA MAR QUE ES EL MORIR. Caracas: Publicaciones del Ateneo de Caracas, Editorial Arte, 1965. 78 p.
Siembra
Cuando de mí no quede sino un árbol,
cuando mis huesos se hayan esparcido
bajo la tierra madre;
cuando de ti no quede sino una rosa blanca
que se nutrió de aquello que tú fuiste
y haya zarpado ya con mil brisas distintas
el aliento del beso que hoy bebemos;
cuando ya nuestros nombres
sean sonidos sin eco
dormidos en la sombra de un olvido insondable;
tú seguirás viviendo en la belleza de la rosa,
como yo en el follaje del árbol
y nuestro amor en el murmullo de la brisa.
¡Escúchame!
Yo aspiro a que vivamos
en las vibrantes voces de la mañana.
Yo quiero perdurar junto contigo
en la savia profunda de la humanidad:
en la risa del ñiño,
en la paz de los hombres,
en el amor sin lagrimas.
Por eso,
como habremos de darnos a la rosa y al árbol,
a la tierra y al viento,
te pido que nos demos al futuro del mundo...
De Agua y Cauce
Semeadura
Quando de mim reste apenas uma árvore,
quando meus ossos tenham se espalhado
debaixo da mãe terra;
quando de ti não reste senão uma rosa branca
que se nutriu daquilo que tu foste
e haja zarpado já com mil brisas diferentes
o alento do beijo que hoje bebemos;
quando já nossos nomes
sejam ruídos sem eco
dormidos na sombra de um olvido insondável;
tu seguirás vivendo na beleza da rosa,
como eu na folhagem da árvore
e nosso amor no murmúrio da brisa.
Escuta-me!
Eu aspiro a que vivamos
nas vibrantes vozes da manhã.
Quero perdurar junto a ti
na seiva profunda da humanidade:
no riso da criança,
na paz dos homens,
no amor sem lágrimas.
Por isso,
não haveremos de dar-nos à rosa e à árvore,
à terra e ao vento,
te rogo que nos demos ao futuro do mundo...
De Agua y Cauce
De
Miguel Otero Silva
La poesia social de Miguel Otero Silva.
Org. Luís Beltrán Prieto Figueroa.
Caracas: Editorial Ateneo de Caracas, 1987. 89p.
¡MATARON A GARCIA LORCA!
íMataron a García Lorca!
Las campanas de Granada
gitanos pesares lloran.
Se durmieron los claveles
en la herida fresca y roja.
Hay un gemir de guitarra
en tonos de cuerdas roncas.
Lamentos de cante jondo
vuelan con las alas rotas.
¡Malhaya los que mataron
al poeta García Lorca!
Verde luna, verde luna;
luna verde y temerosa,
destine en los olivares
una luz que es casi sombra.
Sevilla, pobre Sevilla,
tiene el corazon de alondra
para repicar la angustia
que le llovizno las hojas
al árbol de sus condones
cuando murió García Lorca.
Por el cielo las estrellas
degas y perdidas rondan
buscando el ritmo del canto
o que las mate la aurora.
Los drboles del camino
se florederon de antorchas
para alumbrar el sendero
al verso trunco en su boca.
iMalhaya los que mataron
al poeta Garcia Lorca!
Sangre de. poeta, sangre
gitana, caliente y roja
riega la tierra andaluza
para sembraria de auroras.
Sangre vibrante y fecunda
como un grito de victoria.
Romance de los fusiles
vengará su vida rota.
¡Malhaya los que mataron
al poeta García Lorca!
MATARAM GARCIA LORCA
Mataram Garcia Lorca!
Os sinos de Granada
choram ciganos pesares.
Adormeceram os cravos
na ferida fresca e rubra.
Há um gemer de guitarra
em tons de roucas cordas.
Lamentos de cante jondo
voam com as asas rotas.
Malditos os que mataram
o poeta Garcia Lorca.
Verde lua, verde lua;
lua verde e temerosa,
descolora os olivares
uma luz que é quase sombra.
Sevilha, pobre Sevilha,
tem o coração de cotovia
para repicar a angústia
que orvalhou as folhas
de árvores de suas canções
quando morreu Garcia Lorca.
Pelo céu as estrelas
cegas e perdidas rondam
buscando o ritmo do canto
ou que as mate a aurora.
As árvores do caminho
floresceram nos archotes
para iluminar o sendeiro
ao verso truncado em sua boca.
Malditos os que mataram
o poeta Garcia Lorca!
Sangue de poeta, sangue
cigano, ardente e rubro
rega a terra andaluza
para semeá-la de auroras.
Sangue vibrante e fecunda
como um grito de vitória.
Romance dos fuzis
vingará sua vida rota.
Malditos os que mataram
o poeta Garcia Lorca!
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