EXISTÊNCIA
Belas são as coisas
se o homem as contempla
pois dá vários nomes
e planta excelências
quando se deleita.
Suprimindo o homem
não haverá beleza
nem mundo nem coisas.
FLUIDEZ
Aprende com a água
sua forma fluida
de falar as coisas.
Somente a palavra
te dará o sentido
de fiel realidade
se transparece
puro o pensamento.
DECRETO DAS CIGARRAS
Partiu-se a tarde
à lâmina comprida
de um grito de cigarra.
Na luz cortada
desliza a gora do silêncio
que se escapou da estridência,
palpitando de susto
com os ouvidos tapados
no meio do dia
derrogam o silêncio:
tinham decretado o verão.
O CAMINHO
Não é mais curto o caminho
só porque nele tu corres.
Caminhar tem a sua ciência,
e tem também sua magia:
um passo depois de um passo,
um outro e outro passo mais.
Vai caminhando o caminho,
mas não passa, nós passamos:
passo a passo, passo a passo
sobre ele passam os passos.
E quando acaba o caminho
termina-se o caminhar.
IMAGEM
Entre o céu e o poço
a distância de uma estrela.
Mas é a estrela que baixa
refletindo límpida
a cara no espelho.
A PALAVRA
Uma espada de luz
cortou o silêncio
e a palavra irrompeu
golpeando os nossos ouvidos
surdos de escuridão.
Os olhos escutaram
a claridade explícita!
PLENITUDE
Alegria!...
Apenas
um jeito de viver,
íntimo regozijo,
ato pleno,
o gozo de doá-la
como a flor seu aroma.
CINZA
A lembrança é cinza
de um incêndio em chamas.
O esquecimento carvão
apagado na alma.
MEIO-DIA
Na quietude do poço
Nem uma estrela fulgura:
é meio-dia
e atrás do sol
as estrelas se ocultam.
IMOBILIDADE
Na imobilidade da semente
a vida cresce inumerável.
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TRADUÇÕES DE ANTONIO MIRANDA:
O SONHO CRIADOR
Sonho, sonho se o sonho
é realidade.
Para viver as coisas
primeiro temos que sonhá-las.
NASCIMENTO DA ASA
Em um mundo revolto de folhas
nasce a asa,
caminha pelo vento
em giros volúveis,
renegado fulgor
junto da luz
de uma folha que voa.
FUGACIDADE
Gota de luz sobre a flor
deixa o orvalho
que em cada amanhecer
vai-se com o vento.
VOO INTERROMPIDO
A inerte mariposa
fixada na parede
é o final da ânsia de subir
para bilhar ao sol
junto à nuvem.
O destino do voo:
um muro liso e firme
e um alfinete cravado
entre as asas e o muro.
DESTRUIÇÃO
Em tuas mãos fenecem
como flor desfolhada
implacavelmente.
EMBRIAGUEZ
De rotunda rosa
colibri sonoro
de azul transparência
tremendo no ar
libou em sua corola
o mel com orvalho.
Volátil de fogo
ébrio de delícia,
entre o pólen sutil,
as asas estendidas,
fundiu a cabeça
ficando dormido.
SOMBRA NO RIO
Se a água caminha
a sombra não caminha com ela.
O rio apenas arrasta
o que não pesa, o que sobrenada.
A sombra do que o rio arrasta
vai com ele.
O PASSADO
O tempo fica suspenso
no ramo que se rompe
com o peso do passado.
Página ampliada e republicada em julho de 2017