VIRGÍNIA VITORINO
(Alcobaça, 13 de Agosto de 1895 — 1967) foi uma poetisa e dramaturga portuguesa.
Cursou Filologia Românica da Faculdade de Letras de Lisboa, e frequentou o Conservatório Nacional de Música, onde estudou piano, canto, harmonia e italiano. Professora de liceu, trabalhou também na Emissora Nacional onde dirigia teatro radiofónico. Autora de três livros de poesia e de seis peças de teatro, todas representadas pela Companhia de Amélia Rey Colaço, Virgínia Vitorino foi agraciada pelo Governo Português com o grau de Oficial da Ordem de Cristo, em 1929, e com a Comenda da Ordem de Santiago, em 1932.
Do governo espanhol recebeu a Cruz de D. Afonso XII, em 1930. Também foi retratada, entre outros, por Eduardo Malta e Teixeira Lopes, e mais recentemente por José Paulo Ferro e Manuela Pinheiro. Almada Negreiros foi autor de algumas das capas dos seus livros. Recebeu o prémio Gil Vicente do Secretariado Nacional de Informação pela peça Camaradas. A sua obra, Namorados (1918) foi editada catorze vezes. Teve vasta colaboração em jornais e revistas portuguesas e brasileiras. Esteve no Brasil a convite de Getúlio Vargas, por volta de 1937. Fonte: wikipedia
Eu que cheguei a ter essa alegria
Eu que cheguei a ter essa alegria
de junto ao meu possuir teu coração!
Eu que julgava eterna a duração
do voluptuoso amor que nos unia,
sou ‒ apagada a última ilusão,
morto o deslumbramento em que vivia,
— um cego que ao lembrar a luz do dia
sente mais negra ainda a escuridão.
Tu me deste a ventura mais perfeita,
perdi-a e dei-te a chama insatisfeita
dessa imensa paixão com que te quis…
Hoje, o que eu sinto, inútil, revoltada,
não é mágoa de ser desgraçada,
— é pena de ter sido tão feliz.
Ouve o grande silêncio destas horas!
Ouve o grande silêncio destas horas!
Há quanto tempo não dizemos nada…
Tens no sorriso uma expressão magoada,
tens lágrimas nos olhos, e não choras!
As tuas mãos nas minhas mãos demoras
numa eloqüência muda, apaixonada…
Se o meu sombrio olhar de amargurada
procura o teu, sucumbes e descoras…
O momento mais triste de uma vida
é o momento fatal da despedida,
— Vê como o medo cresce em mim, latente…
Que assustadora, enorme sombra escura!
Eis afinal, amor, toda a tortura:
— vejo-te ainda, e já te sinto ausente!
Apaixonadamente
Fui compondo estes versos, absorvida
no ritmo da minh´alma, sempre ansiosa,
para neles ficar, triste ou gloriosa,
uma existência inteira resumida.
Assim os fiz, pela paixão vencida,
— e, porque fui vencida, vitoriosa... —
nesta febre constante de ambiciosa,
mágoa e prazer de toda a minha vida!
Cada verso é uma pedra mais que eu ponho
Na catedral imensa do meu sonho,
... ria embora do Sonho toda a gente!
A vida humana, seja ou não tranquila,
profunda ou não, — só poderá senti-la
quem a sentir apaixonadamente.
Outrora
E tudo está na mesma, tudo igual.
Tudo fala de ti a cada passo.
— Caminhos que eu andei pelo teu braço,
andorinhas a rir sobre o beiral...
O que eu gostei de ti? Era um cristal
a minh´alma. Depois um embaraço.
Amargura mudada num cansaço,
e o nosso amor findou, triste e banal.
Faz-me saudades tudo o que dissemos.
É sempre bom aquilo em que nós cremos.
Eu cri numa mentira. Sou mulher...
Ai o que nós dissemos! Que ansiedades!
Mas sobretudo, amor, tantas saudades
do que nunca chegamos a dizer!
Renúncia
Fui nova, mas fui triste... Só eu sei
Como passou por mim a mocidade...
Cantar era o dever da minha idade,
Devia ter cantado e não cantei...
Fui bela... Fui amada e desprezei...
Não quis beber o filtro da ansiedade.
Amar era o destino, a claridade...
Devia ter amado e não amei...
Ai de mim!... Nem saudades, nem desejos...
Nem cinzas mortas... Nem calor de beijos...
Eu nada soube, eu nada quis prender...
E o que me resta?! Uma amargura infinda...
Ver que é, para morrer, tão cedo ainda...
E que é tão tarde já, para viver!...
Contradições
Não há culpa no mundo sem razão
e entretanto, bem visto, é tudo errado.
Quanto inocente a gente vê culpado,
e quantos criminosos têm perdão!
Tudo na vida é uma contradição.
Quantas vezes perpassa ao nosso lado
um riso todo em lágrimas gerado,
um riso que é um mundo de aflição?
Nada vale o que vale. Tudo mente.
Quem mais sofre é talvez quem menos sente.
Nem é verdade aquilo que já vimos.
A vida é de tal forma enganadora!
Talvez a gente ria quando chora...
Choraremos talvez crendo que rimos!
Página publicada em outubro de 2015
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