VICTOR OLIVEIRA MATEUS
Victor Oliveira Mateus é natural de Lisboa e licenciado em Filosofia pela Universidade Clássica da mesma cidade. Tem cinco livros de poesia publicados e um romance. Traduziu alguns clássicos bem como poetas contemporâneos. Poemas, contos e textos de cariz ensaístico de sua autoria podem ser encontrados em Revistas Literárias e Antologias de Portugal, Brasil e Espanha. Co-organizou, para a Editorial Tágide, a obra "um rio de contos, Antologia Luso- Brasileira" e organizou, para a Editora Labirinto, a Antologia "O Prisma das Muitas Cores - Poesia de Amor Portuguesa e Brasileira". É sócio da A.P.E. (Associação Portuguesa de Escritores) e autor do Blogue de Literatura "A Dispersa Palavra".
De
Victor Oliveira Mateus
REGRESSO
Amarante, Portugal: Labirinto, 2010.
45 p ISBN 978-989-8386-09-0
“Pois é, coloco-me na condição do rapaz do café observando/lendo o poeta Victor Oliveira Mateus, com o mesmo assombro e admiração. Sua proesia, com cenas que fluem e
situações que se diluem, que derivam observações desviantes, nos levam a um estado de contemplação metafísica. Viajar com ele, sem direito a regresso.” ANTONIO MIRANDA
Num café da Via Monginevro
O rapaz do café olha-me com alguma desconfiança,
mas mesmo assim fala-me, é afável. Talvez seja
do pais esta necessidade de estar próximo, de irradiar
um sólido encurtar distâncias neste tempo de implosões
organizadas. O rapaz do café traz os pedidos como
equilibrista de lugarejo: a bandeja, de uma bacidez
acinzentada, bascoleja copos, latas... e a mim também,
que de equilíbrio me sofro tão incapaz de um eu a recusar-me
unidade e acerto. Certo dia alargou-se mais: que era
lá debaixo, da Ligúria. Nascera em Sestri Levanti. Se eu conhecia,
e olhou-me a ameaçar escárnio: que sim, que sim (acalmei-o),
mas só de passagem, aliás, é de passagem que tudo conheço.
Conclusão que ele entendeu, pois logo me olhou livros e papéis.
O rapaz do café tem algo de metafísico (acabei por decidir),
pois quando fala depressa não o entendo, e quando se explica
pausadamente não o entendo também. Certo dia apanhou-me
alguns versos que me haviam caído da mesa e então perguntou-me
se eu fazia poesia. Que não!, respondi-lhe peremptório,
é ela que me faz a mim; é ela que me não larga, sempre
a recusar-me razão, conformidade. O rapaz do café deixou,
por fim, seu antigo olhar. Agora tem um outro, bem mais
enigmático - coisa de fascínio com hostilidade à mistura.
Ainda no café
Que o azul não passa de aparências. Todos
os azuis! Talvez. Vendo bem, que sei eu
de astronomia e de efeitos especiais? E que
os céus - dizem ainda - nada mais são
do que ecos da distância e de um abandono
bem nosso e impreenchível. Que só este
quotidiano - acrescentam -, que nos cerceia
e desconstrói, é absolutamente real e concreto.
É provável, murmuro enquanto observo a chávena
vazia, a colher tombada na ponta do pires, os jovens
universitários que vão deixando o café. E o
universo?! Esse é indubitavelmente eterno
- concluem eles -, infinito, com seu próprio
ciclo de expansão e contracção. Sim, talvez!
Vendo bem, que sei eu de astronomia e de
efeitos especiais? Que sei eu dessa coisa que é
o ser-se eterno, eu, que nem do durável tenho
noção ou experiência. Olho através da montra
a rua deserta, um gato a esgueirar-se rente
aos prédios do outro lado, uma varanda que pinga
cadenciadamente. Ah, afinal bem pouco foi
o que consegui saber! Contudo, de uma coisa
estou absolutamente seguro. Uma única
coisa: espécie alguma teve tantas certezas,
inventariou tantas certezas, matou tanto em
nome de certezas. E resta-me no espelho
o esgar do meu rosto, enquanto me tento
manter desperto e peço outro café.
Página publicada em março de 2011, a partir de um exemplar do livro “Regresso” enviado pelo autor à Biblioteca Nacional de Brasília.
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