VALTER HUGO MÃE
Nasceu em Angola, Saurimo, em 1971. Passou a infância em Paços de Ferreira, vive em Vila de Conde desde 1981. Licenciado em Direito, pós-graduado em Literatura Portuguesa Moderna e Contemporânea.
Autor do romance o apocalipse dos trabalhadores, Quidnoví, 2008, um dos romances de maior impacto crítico no corrente ano em Portugal.
Vencedor do Prêmio José Saramago de romance, 2006.
Livros de poesia: bruno (2007), pornografia erudita (2007), livro de maldições (2006), o resto da minha alegria seguido de a remoção das almas (2003), útero (2003) , a cobrição das filhas (2001) e três minutos antes de a maré encher (2000). No Brasil saíram seus poemas reunidos em: mil e setenta e um poemas (Thesaurus, 2008)
Página do autor: www.valterhugomae.com
Terás de perdoar a
tristeza do meu corpo, ele
não entende o que estou
a fazer
De
mil e setenta e um poemas
Brasília: Thesaurus, 2008
mil poemas sobre Brasília
escrevo desta forma mil poemas
sobre brasília. o eixo largo antologia
meus sentimentos e eu sigo
baixo, só levantado por dentro
na alvura de Niemeyer que
revelou o lugar para o meu
irmão nascer
escrevo desta forma mil poema
sobre Brasília. pássaro buscando
o povo, voando por toda a
beleza que sai à rua e eu sigo
baixo, só levantado pela
candura do meu irmão que
me traz identidade
ao monumento, que um
monumento é de fato o tamanho
verdadeiro do coração
e eu falo alto, tenho avenida
inteira um ataque tão
genuíno de paixão
inês subtil
talvez seja o momento de te dizer
que sou da mais vil beleza, feito de
amar entre os homens apenas as coisas
mais efêmeras
talvez seja o momento de te dizer
que me cresceram os teus seios mais
jovens, numa indisfarçável necessidade de
que me pertençam entre as coisas
que te cedo
talvez seja o momento de te dizer
que o teu corpo mulher é um exagero do
meu deus, generoso mais do que nunca na
liberdade da minha fome
não estou certo de que seja o momento de
pedir mais ainda, quanto te roubo a alma e
aos poucos a entorno pelo caminho até ao
outrora vazio do meu coração
como não sei se será certo padecer de alguma
felicidade imprudentemente, naquele
miudinho perigoso de estar quase a
morrer de amor por ti
também eu me sinto capaz de desmaiar com
um orgasmo. mas só agora, aos trinta e
sete anos, só contigo
gordo e careca
para rosa maria weber e alberto bresciani
onde vais, valter hugo mãe, tão sem ter
com quem, tão precipitado no vazio do
caminho à procura de quê
porque não ficas em casa, resignadamente só,
a ver como a vida se gasta sem culpa nem glória
é um rapaz estranho, valter hugo mãe, aí metido
num amor nenhum que te magoa e esperas ter
lugar no mundo, com tanto que o mundo tem de
distraído
devias morrer no dia dezoito de março de
mil novecentos e noventa e seis, como dizes que
vai acontecer, para que se acabe essa
imprecisa sentença que é a vida
volta a fechar a porta, não há nada para ti lá fora
e está frio, tens reumatismo, dói-te a cabeça, estás
gordo e careca, não faz sentido sequer que
tentes chegar às luzes esbatidas da marginal, ainda
que seja só ao lado menos percorrido pelos banhistas
volta a fechar a porta e talvez durmas, está um
agradável silêncio no prédio, tenho a certeza de que
reparaste nisso
poema da filha sem vôo
para a patty waters
a filha daquele homem era avestruz. passava o dia cabeça
palmos acima, olhos esbugalhados no quintal, as penas
lustradas pelos banhos no lago e barriga tão inchada de
orgulho. por defeito, a preciosa filha só tinha não querer
casar e, a cada rapaz que o homem lhe apresentasse, ela
enfiava a cabeça na areia. acontecia de a família desesperar
escondida casa adentro em silêncio, e de outras aves se
aproximarem sorrateiras para roubarem a comida com que
a mãe enchia a gamela deixada à soleira da porta
o poeta como nu
para o pedro guimarães e para a laura machado
um dia apareceu um poeta sem pétalas. nunca tal se vira.
sem pétalas, dizia-se, estava igual a nu, coberto de nada
que o diferisse, como se ser poeta não trouxesse marcas
à flor da pele. algumas pessoas riram-se nervosamente,
e só por isso o estranho poeta se foi embora sem outra
notícia
O PRISMA DE MUITAS CORES. Poesia de Amor portuguesa e brasileira. Organização Victor Oliveira Mateus. Prefácio Antônio Carlos Cortes. Capa Julio Cunha. Fafe: Amarante: Labirinto, 2010 207 p. Ex. bibl. Antonio Miranda
não procuro um amor entre os cardos,
se é entre os cardos que me vês, procura
pensar que um amor não se perde por ali
nem por ali se deve encontrar, se estou
entre os cardos, meu amor, é para te esquecer
e se me vires, pensa que é por ti, absolutamente por
que procuro apenas dores, apenas fardos,
para lentamente matar o meu coração, e
se me vires cair se entretanto me vires no chão,
não me apanhes, não me ajudes, pensa que
já ninguém passeia nos cardos e que o
amor, para castigo dos que morrem, recomeça
num outro lugar, seguramente à tua espera.
depois sorri mesmo que te seja difícil, se por
mais difícil que seja para mim ver-te sorrir
é entre os cardos que devo partir, quando
fugazmente te souber passando, tão parecida
com ires buscar a felicidade sem mim e eu
só mais uns segundos, já meus anjos preparados
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Publicados em setembro de 2008. Página ampliada em janeiro de 2021
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