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PEDRO TAMEN
Lisboeta, nacido em 1934. Licenciado em Derecho por la Universidad de Lisboa. Há dirigido y colaborado en muy diversas revistas literárias. Dirigiu a revista Anteu – Cadernos de Cultura. Actualmente é administrador da Fundação Calouste Gulbenkian. Tradutor e poeta.
TEXTOS EM PORTUGUÊS / TEXTOS EN ESPAÑOL
OS DIAS
Naquele tempo, viver era a melhor coisa do mundo.
Quando nascia o sol as pessoas viam
e os homens eram crianças para além dos montes.
Era uma planície, grande como convém a todas as planícies
e plana porque tudo estava certo.
Naquele tempo tínhamos sido criados e éramos iguais às
ervas e às flores.
Tu,
tão perfeita que impossível não seres,
tão erguida como um riso de andorinha,
tu estavas ao meu lado, naturalmente fresca,
e não havia motivos nem razões porque sabíamos tudo.
A nossa teologia era o beijo da criança mais próxima
e o deitarmo-nos na terra como folhas da mesma planta,
gratos, reduzidos, conscientes.
Olhando para cima, o céu abria-se e todos os Anjos
vinham sentar-se no rebordo
e riam como nós pequenas gargalhadas.
Eu cantava canções mais belas do que não tendo palavras
e ouvias-me em silêncio e de olhos abertos, exatamente
como a todos os sons.
O SANGUE
10
Mil vezes homem, mil vezes grito,
mil vezes hora em que, mil vezes,
tudo foi , de novo e para sempre, nascido e consumado.
Nós ouvíamos o murmúrio da terra:
naquele dia, a esperança do seu ventre,
a solidão difícil das profundas,
o raro espaço que se oculta sob as rochas,
os restos que um cataclismo nos deixou
— viram de frente a Face,
voltaram-se surpresos, quando de súbito
um novo líquido os tocou e percorreu
e trouxe à luz da terra; quando, anunciado,
se perfez um lento marulhar, santa fecundação.
MUITO MAIS QUE PRAIA
para António Ramos Rosa
Ondeia, assume, rememora,
abriga a espuma
em coração disperso.
Uma ferida aberta
afirma e cede à sementeira cedo.
Perfaz, tacteia, roça
teu corpo ao corpo dela,
da já chorada inda que viva morte.
AGORA, ESTAR
9
A luz que vem das pedras, do íntimo da pedra,
tu a colhes, mulher, a distribuis
tão generosa e à janela do mundo.
O sal do mar percorre a tua língua;
não são mais em ti as coisas mais.
Melhor que tudo, o vôo dos insectos,
o ritmo nocturno do girar dos bichos,
a chave do momento em que começa o canto
da ave ou da cigarra
— a mão que tal comanda no mesmo gesto fere
a corda do que em ti faz acordar
os olhos densos que cada dia um só.
Quem está salvando nesta respiração
boca a boca real com o universo?
13
Devassa livre o braço todo aberto,
que eu te me entrego, aceito, te recebo,
qual solitário espera mago iço de grou
e ascende e se esvazia:
ó morte.
Nem mal nem bem, cinza penetração
no peito de serviço nesse dia.
Comigo a quem me dei eu dou,
confio a mão mal tida,
o sorriso entre portas,
a voz irrecordada.
Em ti, meu banco, morte,
eu deposito a vida.
OS NAUTAS
Para a Maria Gabriel
Quando até sobre o tarde navegavam
a luz que dentro vinha sobrepunha
a lantejoula aguda de outro sol
ao passo opaco, idêntico, cercando
os braços intranquilos, a surpresa
que só de pressentida lhes doía.
Ao frio sal que sob os pés sentiam
e à escuridão mais fundo, ao sonolento
e bruto som da corda e da madeira,
às dores de fome e ao gemido fraco
duma saudade parda, à solidão
sem espelho, à gula insaciada, ao medo
— a tudo combatia uma paixão
neles tão nova, nevoenta outrora,
qual a de ver, de ver de olhos abertos
até sentir no roçagar dos dedos,
a mínima paisagem, mais total
que os montes lerdos, pátrios e trocados:
a crispação da vela, o peixe lento
de súbito surgindo, ignotas flores,
cores purulentas, vasto e escasso espaço
para estrídulos pássaros abertos
e outra vida mor,
e ainda bruma
que não sabem se é deste ou doutro sonho.
HERZOG
Sofrer é outro mau hábito.
(palavras de Ramona em Herzog, de Saul Bellow)
A minha desforra são palavras.
Levanto-me de manhã amarrotado
pelo peso inclemente das mentiras
e vazo no real outro real
das letras que ninguém vislumbrará.
O pássaro que canta é uma palavra,
é uma carta escrita a este, àquele,
que me saiu do lápis da amargura;
tudo se refaria se jamais feita fosse
alguma coisa que a minha mão não desse.
Desforro-me sem gosto. Desforro-me sem gasto,
acorrentado ao que me vem de trás
e ao que virá e que não sei se quero.
[in Analogia e Dedos, Oceanos, 2006]
De
Pedro Tamen
CARONTE E MEMÓRIA
São Paulo: Escrituras, 2004.
99 p. (Col. Ponte velha)
ISBN 85-7531-1221-2
Gentilmente cedido pela editora
www.escrituras.com.br
GUIÃO DE CARONTE
5.
O que se fez igual a que se faz.
O que se sente igual a que se mente.
Experimentar, gostar, tudo falaz
ardil que esfria mesmo ardente.
Ilusória a mansão em que se vive
morto, tal como aquela em que se morre
vivo; nem há gramática que esquive
a dor redonda que ninguém socorre
porque ninguém não há. Não há ninguém
porque ninguém é nula coisa só.
Nem mal nem bem - e em que consiste nem
mais que preposição de meter dó?
Tudo opado, porque não vai nem vem.
Desfeito, o nó vê-se desfeito em pó.
37.
Que se passa contigo, mulher, que foi que veio
adormecer o tempo, apunhalá-lo,
que quer dizer agora o beijo, a mão e o lago,
a distinção de pernas e Bonnard
nos telhados à lua, onde se encontra
a vazia algibeira de flanela, o candeeiro
lírico da névoa de que falava quem?
Nada se passa, vês, sendo eu passado,
e agora, inteiro, todo o passado é teu.
TEXTOS EM ESPAÑOL
Traducción de XOSÉ LOIS GARCÍA
Poemas selecionados de la edición de la ANTOLOGIA LA ACTUAL POESIA PORTUGUESA, con traducciones de nuestro amigo XOSÉ LOIS GARCÍA, publicada originalmente en la revista HORA DE POESIA, n. 27/28, de 1983, de Barcelona, España. Ejemplar gentilmente donado por Aricy Curvello para la Biblioteca Nacional de Brasilia.
LOS DÍAS
3
Em aquel tiempo, vivir era la mejor cosa del mundo.
Cuando hacía el sol todos veían
y los hombres eran niños más Allá de los montes.
Era uma planície, grande como conviene a todas las planícies
y llana porque todo estaba en su sitio.
En aquel tiempo habíamos sido criados y éramos iguales a las
hierbas y a las flores.
Tú,
tan perfecta que era imposible no ser tu,
tan erguida como júbilo de golondrina,
tu estabas a mi lado, naturalmente fresca,
y no había motivos ni razones porque sabíamos todo.
Nuestra teología era el beso del niño más próximo
y el acostarnos en la tierra con hojas de la misma planta,
apacibles, limitados conscientes.
Mirando hacia arriba, el cielo se abria y todos los ángeles
venían a sentarse en el borde
y reían como nosotros com pequeñas carcajadas.
Yo cantaba canciones más bellas de lol que puedo expresar
y me oías en silencio y con ojos abiertos, exactamente como
a todos los sonidos.
LA SANGRE
10
Mil veces hombre, mil veces grito,
mil veces hora en que, mil veces,
fue todo, de nuevo y para siempre, nacido y consumado.
Nosotros oímos el murmullo de la tierra:
en aquél día, la esperanza de su vientre,
la soledad difícil de las profundidades,
el raro espacio que se oculta bajo las rocas,
los restos que un cataclismo nos dejó
— giran al frente la Faz,
se volvieron sorprendidos, cuando de repente
un nuevo líquido los toco y recorrió
y trajo a la luz de la tierra; cuando, anunciado,
se produjo una lenta agitación, santa fecundación.
MUCHO MÁS QUE PLAYA
para António Ramos Rosa
Ondea, asume, rememora,
abriga la espuma
con corazón disperso.
Una herida abierta
afirma y cede a la siembra temprana.
Completa, palpa, roza
tu cuerpo al cuerpo de ella,
de la ya llorada aunque viva muerte.
AHORA, ESTAR
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La luz que viene de las piedras, de la intimidad de la piedra,
tu la coges, mujer, la distribuyes
tan generosa y a la ventana del mundo.
La sal del mar recorre tu lengua;
no están de más en ti las cosas demás.
Mejor que todo, el vuelo de los insectos,
la llave del momento en que comienza el canto
del ave o de la cigarra
— la mano que esto dirige con el mismo gesto hiere
la cuerda de lo que em ti hace acordar
los ojos densos de cada día uno solo.
¿Quién está salvando en esta respiración
boca a boca real con el universo?
13
Penetra libre el brazo totalmente abierto,
que yo a ti me entrego, acepto, te recibo,
cual solitário espera hechicero beso de grulla
y asciend y se vacía:
oh muerte.
Ni mal ni bien, ceniza penetración
en el pecho de servicio de este día.
Conmigo a quien me di yo doy,
confio la mano malo tenida,
la sonrisa entre puertas,
la voz irrecordada.
En ti, mi Blanco, muerte,
yo deposito la vida.
Página publicada em fevereiro de 2008; ampliada e republicada em janeiro de 2011. |