OLAVO d´EÇA LEAL
Olavo Correia Leite d' Eça Leal (Lisboa, 31 de julho de 1908 — 17 de setembro de 1976) foi um escritor português.
Frequentou o Colégio Militar.
Na sua obra inclui a poesia, a ficção, as artes plásticas, o teatro radiofónico e o cinema. Pai do escritor Paulo Guilherme d'Eça Leal. Colaborou na revista Contemporânea (1915-1926).
A Câmara Municipal de Lisboa prestou-lhe homenagem ao atribuir o seu nome a um arruamento de Lisboa, situado na freguesia de São Domingos de Benfica.
Fonte: wikipedia
VAMOS ANTES A PARIS
Quem me dera ser simples e vulgar,
Pensar como o vizinho merceeiro...
Juntar ao Montepio algum dinheiro
E fazer-me por todos respeitar.
Normal no porte, feio e regular,
Ter casa própria já, com jardineiro...
Vazio de ilusões, e bom caixeiro,
Ensinar a meu filho a continuar...
Assim envelhecer devagarinho,
Perfeitamente parvo, mas feliz,
E certo de seguir por bom caminho.
Dirás, leitor: “a quem você o diz!
Beber também eu queria desse vinho...”
— Não bebas... Vamos antes a Paris!
Julho de 1938
SOLO DE VIOLINO
Se acordo e relembro o que sonho,
Maria, não saias daqui!
— Que monstro barbudo e bisonho
Em sonhos medonhos eu vi!
Às vezes não lembro o que sonho...
A lua fugia do barco
E o barco roçava um salgueiro...
Eu chorei e os sapos do charco
Gritaram! E eu vi o barqueiro
À lua, caindo do barco...
A água gemia harmonia
E o barco seguia sem rumo;
À proa, de pedra par´cia
Meu corpo de lívido aprumo.
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
Às vezes não lembro o que sonho.
Se lembro... não saias, Maria!
Meu sonho parece medonho
Meu sonho de barco sem rumo.
POEMA ÍNTIMO
É hoje o primeiro dia
Em que estou tão mal disposto.
— Quem me fez mal não sabia
Que gosto tem o desgosto.
Entre pavões, passeando,
Cheio de falsa gloria,
Meus passos vou desviando
Esquecendo a própria memória.
Tão incompleto pareço,
Sem castelo e sem condado,
Que, para estátua de gesso,
É meio caminho andado.
De minha grande comédia
Sou o ator preferido
Mas, se vou além da média,
Logo me julgam perdido.
— Como estou velho por dentro
E adolescente por fora!
Sou circunf´rência sem centro
Riscada a olho, por ora...
— Já tomei a dianteira
A mil cortejos de glória,
Mas corri de tal maneira
Que é maior a minha Historia
Do que a minha vida inteira.
SUICIDIO
Tenho o cabelo ensopado
num suor de frio mortal
— Vós a chorar a meu lado
E eu a sonhar acordado
Sonhos de brilho espectral.
Vejo esse quadro pintado
Neste momento anormal.
— Sei que hei de se desejado
Só depois de evaporado
O frio suor mortal.
Sofro por vos ter falado
E não seis se bem ou mal
Fui na vida encaminhado!
— Sinto o coração gelado
Num lago de suor mortal.
Ela já vem a meu lado
E eu vejo o processional
Cortejo do meu passado
Deixar no caminho andado
Um rastro de suor mortal.
EMPREGUEI-ME NO COMÉRCIO
Afastei-me, contrariado e mudo
Do caminho mais longo e mais precioso,
Deixei também de vestir de veludo
O meu ar tão artístico e p´rigoso...
Entre todos pareço o mais facioso
E de tal modo que a mim próprio iludo...
Ó folhas do Outono! Ó sol preciosos!
Coisas belas, ridículas e tudo...
Já sou honesto, inferior, concreto,
Tenho dinheiro mas não vou à festa
Porque o passeio é curto e é direto...
Em vão eu pouso um dedo sobre a testa
Pensando no juro a que ela empresta...
Página publicada em março de 2018
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