MANUEL GUSMÃO
(Évora, 1945) é um poeta, ensaísta, tradutor e professor universitário português.
Licenciou-se em Filologia Românica pela Universidade de Lisboa, tendo-se outorado com a tese sobre a Poética de Francis Ponge (1987).É professor na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, desenvolvendo trabalho nas áreas da Literatura Portuguesa, Literatura Francesa e Teoria da Literatura. É membro da Associação Internacional de Literatura Comparada e fundador da Associação Portuguesa de Literatura Comparada.
Pertenceu às redacções das revistas O Tempo e o Modo e Letras e Artes e foi colaborador permanente do Jornal Crítica, entre 1961 e 1971. Foi fundador das revistas Ariane (revue d’études littéraires françaises), que se publica desde 1982, e Dedalus, da Associação Portuguesa de Literatura Comparada, desde 1991). É coordenador editorial da revista Vértice desde 1988.
É tradutor português de poemas de Francis Ponge.Vencedor, em 2004, do Prémio D. Diniz, da Fundação Casa de Mateus; do Prémio Vergílio Ferreira, atribuído pela Universidade de Évora (2005). Fonte: Wikipédia
Revolução orbital: vai-se a rosa transformando
na coisa múltipla, amante e amada, na acção
que assim a faz e nos acidentes mínimos – paisagens,
estações dos dias e das noites, dos anos da história.
Ondula no cérebro a fronteira que as margens da luz
desenham. E a rosa é uma hélice que vibra
no ar que a respirar obriga(s): torção dos pulmões,
do tronco e do sexo, dos nomes e dos vocativos
que se respondem: como um coração que deflagra
a rosa faz do ar que te falta a terra de onde nasces
e o chão sobre que danças.
In Dois sóis, a Rosa – A arquitetura do mundo
Poemas extraídos da revista POESIA SEMPRE, Num. 26, Ano 14, 2007. Edição da Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro.
Uma Pedra na Infância
Põe uma pedra
uma pedra sobre a infância
Para que de vez se cale essa respiração
contida suspensa no escuro
Põe, digo-te, uma pedra de silêncio sobre
essa infância essa fala ininterrupta essa
falagem que falha e promete e inventa
os sonhos e as promessas o riso sem porquê
Para que de vez se interrompa a esperança esse
mal que não desiste. Escreve, faz o que o ditado dita:
Enterra no silêncio da pedra essa intolerável coisa
que é a infância, as vozes da noite do poço.
Apaga a infância isso que falta sempre à chamada
e para sempre trocou já os desejos e os medos.
Já não vais a tempo, ela enredou sem remédio
as vidas os nomes a tua condenação. Mas vai.
Para que se cale de vez essa respiração que se ri
na cara da morte, nos olhos do enviado de deus
recita o que o ditado ditou: Põe uma pedra sobre
a infância e ouve a era a folhagem que cobrem
o céu em ruínas.
Também então havia uma pedra no canto do quarto
Alio onde a noite começava, era uma pedra e depois
crescia, petrificava-se no seu coração de pedra
dividia-se e eram várias crescendo; ocupando
todo o espaço do sono, do sonho do mundo.
Pesavam no teu peito procuravam-te os olhos
que de pedra ficavam e o grito era uma pedra
que na garganta subia contra a outra pedra.
O próprio ar golpeado era e dividia a voz
pedra contra pedra, o deserto a perder de vista.
Põe uma pedra sobre outra pedra. Inventa uma
outra infância de que possas recordar-te.
Obedeces ao poema e é sem espanto que vês:
nada acontece. Não há
nenhuma voz na voz dos condenados.
Página publicada em novembro de 2009
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