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LUIS VEIGA LEITÃO
Luís Maria Leitão (Moimenta da Beira, 27 de Maio de 1912 — Niteroi, 9 de Outubro de 1987), mais conhecido pelo pseudónimo de Luís Veiga Leitão, foi um poeta e artista plástico português, membro do grupo literário Germinal. Foi um militante anti-fascista, sendo obrigado a exilar-se devido à perseguição pelo Estado Novo.
SER
Vir à luz em partos duros - ser erva rasgando a pele granítica dos muros
Viver em grades desterros e ser um raio de sol por entre os ferros
E quando tudo se for morrer pela madrugada com a raiz de uma flor na mão cerrada
(Dispersas)
Dois Epigramas
O sábio das coisas simples olhou em torno e disse: não há profundidade sem superfície
É preciso dizer bom dia quando o dia anoitece ser exacto todo o dia envelhece
(Figurações, 1976-1983)
Incomunicabilidade
Caneta, lápis, papel e lâmina de ponta de lua um autômato do bolso me tirava... Depois a minha mão ficou nua da vestimenta que usava.
Mas deram-me uma tinta preta (nuvem negra dum fogo posto) e meteram-me no tinteiro... Na tinta, afogo as mãos, o rosto, o meu corpo inteiro:
A força, o canto, a voz que encerra, ninguém, ninguém pode afogar – como as raízes da terra e o fundo do mar.
Carta
Lanço as palavras ao papel como pescador calmo lança os barcos ao rio. Só no fundo, no fundo inviolado, contraio e espalmo as minhas mãos, mãos de afogado morrendo à sede.
– Meu amor estou bem –
Quanto te escrevo, ponho os olhos no teu retrato pendurado nos ferros da minha cama
para que as palavras tenham o sabor exacto de quem me ouve, de quem me fala, de quem me chama.
– Meu amor estou bem –
Ontem vi a Primavera numa flor cortada dos jardins. Hoje, tenho nos ombros uma pedra e um punhal nos rins.
– Meu amor estou bem –
Se a morte vier, querida amiga, à minha beira, sem ninguém, hei-de pedir-lhe que te diga:
– Meu amor estou bem –
A uma bicicleta desenhada na cela
Nesta parede que me veste da cabeça aos pés, inteira, bem hajas, companheira, as viagens que me deste.
Aqui, onde o dia é mal nascido, jamais me cansou o rumo que deixou o lápis proibido...
Bem haja a mão que te criou!
Olhos montados no teu selim pedalei, atravessei e viajei para além de mim.
Página publicada em março de 2010
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