LUIS MIGUEL NAVA
( 1957 – 1995)
Luís Miguel Nava nasceu em Viseu, Portugal, em 1957. Estudou Filologia Românica na Faculdade de Letras de Lisboa, partindo mais tarde para Oxford, onde lecionou Português. Estreou com o volume de poemas Películas (1979), pelo qual recebeu o Prémio Revelação da Associação Portuguesa de Escritores. Publicou ainda as coletâneas A Inércia da Deserção (1981), Como Alguém Disse (1982), Rebentação (1984), O Céu Sob as Entranhas (1989) e Vulcão (1994). Em 1986, mudou-se para a capital belga, trabalhando como tradutor do Conselho das Comunidades Europeias. Foi assassinado em seu apartamento de Bruxelas, em 1995.
Fonte da biografia e foto: http://revistamododeusar.blogspot.com
Falésias
Poder-me-ão encontrar, trago um rapaz na minha
memória, a casa a uma janela
da qual o faço vir como um sabor à boca,
falésias onde o aguardo à hora do crepúsculo.
Regresso assim ao mar de que não posso
falar sem recorrer ao fogo e as tempestades
ao longe multiplicam-nos os passos.
Onde eu não sonhe a solidão fá-lo por mim.
Paisagem citadina
A pele por fulgurantes
instantes muitas vezes abre-se até onde
seria impensável que exercesse
com tão grande rigor o seu domínio.
Não temos então dela senão rápidas
visões, onde os reclames
do coração se cruzam, solitários
e agrestes, reflectidos
por trás nos ossos empedrados.
Em certas posições vêem-se as cordas
do nosso espírito esticadas num terraço.
A roupa dói-nos porque, embora
nos cubra a pele, é dentro
do espírito que estão os tecidos amarrados.
Poemas extraídos da revista POESIA SEMPRE, Num. 26, Ano 14, 2007. Edição da Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro.
INIMIGO RUMOR – revista de poesia. Número 9 – NOVEMBRO 2000. Editores: Carlito Azevedo, Augusto Massi. Rio de Janeiro, RJ: Viveiros de Castro Editora, 2000. 105 p. ISSN 1415-9767.
Ex. biblioteca de Antonio Miranda
RAPAZ
Não sei como é possível falar desse
rapaz pelo interior
de cuja pele o sol surge antes de o fazer no céu.
AGORA QUE DE NOVO
O mar voa nas rochas, como
se a manhã se formasse onde se forma o cuspo e
[aproximo-me
dele e arde a pele de que a memória
vem lentamente tomar conta.
Avanço com cuidado, agora que de novo
nas praias o mar solta os cães. O que chamávamos
verão são poços através
dos quais se some a pele pela memória adentro.
(Do livro Como alguém disse)
*
Página ampliada em dezembro de 2023
Página publicada em novembro de 2009
|