LUIS DE CAMÕES
(1525?-1580)
1524 ou 1525: Datas prováveis do nascimento de Luís Vaz de Camões, talvez em Lisboa. - 1548: Desterro no Ribatejo; alista-se no Ultramar. - 1549: Embarca para Ceuta; perde o olho direito numa escaramuça contra os Mouros. - 1551: Regressa a Lisboa. - 1552: Numa briga, fere um funcionário da Cavalariça Real e é preso. - 1553: É libertado; embarca para o Oriente. - 1554: Parte de Goa em perseguição a navios mercantes mouros, sob o comando de Fernando de Meneses. - 1556: É nomeado provedor-mor em Macau; naufraga nas Costas do Camboja. - 1562: É preso por dívidas não pagas; é libertado pelo vice-rei Conde de Redondo e distinguido seu protegido. - 1567: Segue para Moçambique. - 1570: Regressa a Lisboa na nau Santa Clara. - 1572: Sai a primeira edição d’Os Lusíadas. - 1579 ou 1580: Morre de peste, em Lisboa.
MOTE ALHEIO
Perdigão perdeu a pena:
não há mal que lhe não venha.
Perdigão, que o pensamento
subiu em alto lugar,
perde a pena do voar,
ganha a pena do tormento.
Não tem no ar nem no vento
asas com que se sustenta:
não há mal que lhe não venha.
Quis voar a u'a alta torre,
mas achou-se desasado;
e, vendo-se depenado,
de puro penado morre.
Se a queixumes se socorre,
lança no fogo mais lenha:
não há mal que lhe não venha.
CANTIGA
[ De Rimas, 1595 ]
a outra Dama que, por sentença
Amor que fôsseis doente,
para fazerdes à gente
doce e fermosa a doença.
Voltas
Não sabendo Amor curar,
foi a doença fazer
fermosa, para se ver,
doce para se passar.
Então, vendo a diferença
que há de vós a toda gente,
mandou que fôsseis doente
para glória da doença.
E digo-vos, de verdade,
que a saúde anda invejosa,
por ver estar tão fermosa
em vós essa enfermidade.
Não façais logo detença,
Senhora, em estar doente,
porque adoecerá a gente
com desejos de doença.
Que eu, por ter, formosa Dama,
a doença que em vós vejo,
vos confesso, que desejo
de cair convosco na cama.
Se consentis que me vença
este mal, não houve gente
de saúde tão contente
como eu serei da doença.
MOTE
De que me serve fugir
De morte, dor e perigo,
Se meu eu levo comigo?
VOLTAS
Tenho-me persuadido,
Por razão conveniente,
Que não posso ser contente,
Pois que pude ser nascido.
Anda sempre tão unido
O meu tormento comigo,
Que eu mesmo sou meu perigo.
E, se de mi me livrasse,
Nenhum gosto me seria.
Quem, não sendo eu, não teria
Mal que êsse bem me tirasse?
Fôrça é logo que assim passe:
Ou com desgosto comigo,
u se gosto e sem perigo.
A UM FIDALGO QUE LHE TARDAVA COM UMA
CAMISA QUE LHE PROMETERA
Quem no mundo quisera ser
Havido por singular, »
Para mais se engrandecer,
Há de trazer sempre o dar
Nas ancas do prometer.
E já que Vossa Mercê
Largueza tem por divisa,
Como todo o mundo vê,
Há mister que tanto dê,
Que venha a dar a camisa.
TEXTOS EM PORTUGUÊS / TEXTOS EN ESPAÑOL
Tradução de Anderson Braga Horta
Extraído de: LEVE COMO UM BEIJA-FLOR. São Paulo, SP: Laboratórios Wyeth-Whytehall Ltda, s.d. 64 p. 25,5X25 cm. Produzido por Segmento Farma. Fotos de beija-flores por Haroldo Palo Jr. Versos dos poetas Adélia Prado, Amadeu Amaral, Cecilia Meireles, Cora
Coralina, Fernando Pessoa, Flavio Venturini Márcio Borges, Joyce Ana Terra, Judith Nunes Pires, Luis de Camões, Lupe Cotrim, Nelson Angelo, Nelson Motta Rubens Queiroz, Olga Savary, Therezinha Guerra Del Picchia e Vinicius de Moraes. “ Adélia Prado “ Ex. bibl. Antonio Miranda
ONDAS QUE PELO MUNDO CAMINHANDO
Ondas que pelo mundo caminhando
contino ides levadas pelo vento,
levai envolto em vós meu pensamento,
onde está a que onde está o está causando.
Dizei-lhe que vos vou acrescentando,
dizei-lhe que de vida no’há momento,
dizei-lhe que não morre meu tormento,
dizei-lhe que não vivo já esperando.
Dizei-lhe quão perdido me encontrastes,
dizei-lhe quão ganhado me sumistes,
dizei-lhe quão sem vida me matastes.
Dizei-lhe quão chagado me feristes,
dizei-lhe quão sem mim que me deixastes,
dizei-lhe quão com ela que me vistes!
DE PEDRA, DE METAL, DE COISA DURA
De pedra, de metal, de coisa dura,
ó dura ninfa, a alma vos tem vestido,
pois o cabelo é ouro endurecido,
e mármore a fronte é pela brancura.
Os olhos, esmeralda verde e escura;
de romã são as faces; não fingido,
o lábio é um rubi não possuído;
os brancos dentes são pérola pura.
A mão é de marfim, e é a garganta
puro alabastro, onde qual hera medra
nas veias um azul mui rutilante.
Mas o que mais em vós toda me espanta
é ver que, por que tudo fosse pedra,
tendes o coração como diamante.
TEXTOS EN ESPAÑOL
ONDAS QUE POR EL MUNDO CAMINANDO
Ondas que por el mundo caminando
Contino vais llevadas por el viento,
Llevad embuelto en vos mi pensamiento,
Do está la que do está lo está causando.
Dizilde que os estoy acrescentando,
Dizilde que de vida no hay momento,
Dizilde que no muere mi tormento,
Dizilde que no vivo ya esperando.
Dizilde quan perdido me hallastes,
Dizilde quan ganado me perdistes,
Dizilde quan sin vida me matastes.
Dizilde quan llagado me feristes,
Dizilde quan sin mi que me dexastes,
Dizilde quan con ella que me vistes!
DE PIEDRA, DE METAL, DE PIEDRA DURA
De piedra, de metal, de cosa dura,
El alma, dura ninfa, os ha vestido,
Pues el cabello es oro endurecido,
Y marmol es la fronte en su blancura.
Los ojos, esmeralda verde y escura;
Granata las mexillas; no fingido,
El labio es un robí no poseydo;
Los blancos dientes son de perla pura.
La mano de marfil, y la garganta
De alabastro, por donde como yedra
Las venas van de azul mui rutilante.
Mas lo que más en toda vos me espanta,
Es ver que, por que todo fuese piedra,
Tenéis el corazón como diamante.
Extraídos de POETAS DO SÉCULO DE OURO ESPANHOL: POETAS DEL SIGLO DE ORO ESPANHOL / Seleção e tradução de Anderson Braga Horta; Fernando Mendes Vianna e José Jeronymo Rivera; estudo introdutório de Manuel Morillo Caballero. Brasília: Thesaurus; Consejería de Educación y Ciência de la Embajada de España, 2000. 343 p. (Coleção Orellana – Colección Orellana; 12) ISBN 85-7062-250======================================================
SONETO 9
Alma minha gentil, que te partiste
Tão cedo desta vida, descontente,
Repousa lá no céu eternamente,
E viva eu cá na terra sempre triste.
Se lá no assento etéreo, onde subsiste,
Memória desta vida se consente,
Não te esqueças daquele amor ardente
Que já nos olhos meus tão puro viste.
E se vires que pode merecer-te
Alguma coisa a dor que me ficou
Da mágoa, sem remédio, de perder-te
Roga a Deus, que teus anos encurtou,
Que tão cedo de cá me leve a ver-te
Quão cedo de meus olhos te levou.
SONETO 11
Amor é um fogo que arde sem se ver;
É ferida que dói e não se sente;
É um contentamento descontente;
É dor que desatina sem doer;
É um não querer mais que bem querer;
É um solitário andar por entre a gente;
É um não contentar-se de contente;
É cuidar que se ganha em se perder;
É um estar-se preso por vontade;
É servir a quem vence, o vencedor;
É um ter com quem nos mata lealdade.
Mas como causar pode o seu favor
nos corações humanos amizade,
se tão contrário a si é o mesmo Amor?
SONETO 17
Aquela triste e leda madrugada,
Cheia toda de mágoa e de piedade,
Enquanto houver no mundo saudade
Quero que seja sempre celebrada.
Ela só, quando amena e marchetada
Saía, dando à terra claridade,
Viu apartar-se de uma outra vontade,
Que nunca poderá ver-se apartada.
Ela só viu as lágrimas em fio,
Que de uns e de outros olhos derivadas,
juntando-se, formaram largo rio.
Ela ouviu as palavras magoadas
Que puderam tornar o fogo frio,
E dar descanso às almas condenadas.
SONETO 50
Doces e claras águas do Mondego,
Doce repouso de minha lembrança,
Onde a comprida e pérfida esperança
Longo tempo após si me trouxe cego:
De vós me aparto, sim; porém não nego
Que inda a longa memória, que me alcança,
Me não deixa de vós fazer mudança,
Mas quanto mais me alongo, mais me achego.
Bem poderá Fortuna este instrumento
De alma levar por terra nova e estranha,
Oferecido ao mar remoto, ao vento;
Mas a alma, que de cá vos acompanha,
Nas asas do ligeiro pensamento
Para vós, águas, voa, e em vós se banha.
SONETO 107
O dia em que nasci moura e pereça,
Não o queira jamais o tempo dar;
Não torne mais ao mundo, e , se tornar,
Eclipse nesse passo o Sol padeça.
A luz lhe falte, o Sol se lhe escureça.
Mostre o mundo sinais de se acabar,
Nasçam-lhe monstros, sangue chova o ar,
A mãe ao próprio filho não conheça.
As pessoas pasmadas, de ignorantes,
As lágrimas no rosto, a cor perdida,
Cuidem que o mundo já se destruiu.
Ó gente temerosa, não te espantes,
Que este dia deitou ao mundo a vida
Mais desgraçada que jamais se viu.
SONETO 178
Sete anos de pastor Jacó servia
Labão, pai de Raquel, serrana bela;
Mas não servia ao pai, servia a ela,
Que a ela só por prêmio pretendia.
Os dias na esperança de um só dia,
Passava, contentando-se com vê-la;
Porém o pai, usando de cautela,
Em lugar de Raquel lhe deu a Lia.
Vendo o triste pastor que com enganos
Assim lhe era negada a sua pastora
Como se a não tivera merecida,
Começou a servir outros sete anos,
Dizendo: “Mais servira, se não fora
Para tão longo amor tão curta a vida!”
CAMÕES, Luis de. Os Lusíadas. Porto: Livraria Tavares Martins,
1975. Prefacio de Gustavo Barroso. Ilustrações de Guilherme Camarinho. 583 p. 10 x 15 cm. Capa dura. Ex. bibl Zelinton Gayoso.
Uma das belas edições recentes deste clássico da literatura portuguesa.
***
SEXTINA
Foge-me pouco a pouco a curta vida
(se por caso é verdade que inda vivo)
vai-se-me o breve tempo d´ante os olhos;
choro pelo passado e quando falo,
se me passam os dias passo a passo,
vai-se-me, enfim, a idade e fica a pena.
Que maneira tão áspera de pena!
Que nunca uã hora viu tão longa vida
em que possa do mal mover-se um passo.
Que mais me monta ser morto que vivo?
Para que choro, enfim? Para que falo,
Se lograr-me não pude de meus olhos?
Ó fermosos, gentis e claros olhos,
cuja ausência me move a tanta pena
quanta e não compreende enquanto falo!
Se, no fim de tão longa e curta vida,
de vós m´inda inflamasse o raio vivo,
por bem teria tudo quanto passo.
Mas bem sei, que primeiro o extremo passo
me há-de vir a cerrar os tristes olhos
que Amor me mostre aqueles por que vivo.
Testemunhas serão a tinta e pena,
que escreveram de tão molesta vida
e menos que passei, e o mais que falo.
Oh! que não sei que escrevo, nem que falo!
Que se de um pensamento n´outro passo,
vejo tão triste género de vida
que, se lhe não valerem tantos olhos,
não posso imaginar qual seja a pena
que traslade esta pena com que vivo.
N´alma tenho contino um fogo vivo
que, se não respirasse no que falo,
estaria já feita cinza a pena:
mas, sobre a maior dor quer sofro e passo,
me temperam as lágrimas dos olhos
com que fugindo, não se acaba a vida.
Morrendo estou na vida, e em morte vivo;
vejo seus olhos, e se língua falo;
e juntamente passo glória e pena.
(RIMAS, edição de 1595)
[POESIA ERÓTICA:]
EROTISMO & SENSUALIDADE EM VERSOS – antologia de poesias eróticas da antiguidade até aos nossos dias. Seleção: Renata Cordeiro. Ilustrações: Auguste Rodin.
São Paulo: Landy Editora, 2005. 126 p. 15x24 cm. ISBN 85-7629-041-3 Ex. biblioteca de Antonio Miranda
Oh, famintos beijos na floresta!
E que mimoso choro soava!
Que afagos tão suaves! Que ira honesta,
que em risinhos alegres se tornava!
O que mais passam na manhã e na sesta,
que Vênus com prazeres inflamava,
melhor é experimentá-lo que julgá-lo,
mas julgue-o que não pode experimentá-lo.
Página ampliada e reeditada em outubro de 2020
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