JOSÉ TERRA
(1928-2014)
José Terra é o pseudónimo de José Fernandes da Silva, nascido a 24 de Maio de 1928 em Prozelo, no concelho de Arcos de Valdevez.
Como poeta, José Terra estreou-se em 1949, com o livro Canto da Ave Aprisionada, uma edição de autor que foi apreendida pela censura, contou à Lusa Luís Amaro, seu amigo e ex-director adjunto da revista Colóquio Letras. Amaro foi também o responsável pela organização e publicação da Obra Poética de José Terra, em quatro volumes, que "deverá sair dentro de 15 dias" na Modo de Ler, editora portuense de José da Cruz Santos, disse.
José Terra foi cofundador da revista Árvore - Folhas de Poesia (1951-53), com António Luís Moita, António Ramos Rosa, Raul de Carvalho e Luís Amaro. A sua obra Espelho do Invisível, editada em 1959, foi considerada por Ramos Rosa, na revista Seara Nova, como "um dos mais notáveis livros de poesia portuguesa" escrito nessa altura, recordou Amaro. "Nessa mesma crítica, Ramos Rosa referiu-se aos 39 sonetos que constituem a obra, [colocando-os] entre os mais belos da língua portuguesa de qualquer época".
Filólogo, historiador, ensaísta, crítico e tradutor, José Terra foi professor desde 1984 até à jubilação, na Universidade Sorbonne - Paris III.
Para o Poema da Criação (1953) e Canto Submerso (1956), este distinguido com o Prémio Teixeira de Pascoaes, são outros dois títulos poéticos de José Terra, que escreveu também o conto Vou até ao fim do mundo (1951).
Tendo frequentado o seminário até aos 17 anos, José Terra fixou-se em Lisboa como empregado comercial, em 1946, e licenciou-se em Filologia Clássica pela Universidade de Lisboa, tendo-se doutorado na Sorbonne - Universidade de Paris III, em 1984, com a tese João Rodrigues de Sá de Meneses e o Humanismo Português.
Leccionou no ensino secundário, em Lisboa, e, a partir de 1957, ano em que foi nomeado pelo Instituto de Alta Cultura como Leitor de Português numa universidade em França, "não mais deixou de ensinar e promover a língua e a cultura portuguesas nesse país", disse à Lusa José Carlos Canoa, autor do blogue Literatura,Literatura,Literatura e professor do ensino secundário.
Como ensaísta, Terra dedicou-se sobretudo à literatura e à história do Renascimento. Como tradutor, passou para português obras de David Garnett, Giovanni Papini, François Mauriac, Vasco Pratolini, Albert Camus, André Maurois, Paul Arrighi, Pierre Teilhard de Chardin, Elio Vittorini, Georges Le Gentil e Colette Callier-Boisvert.
Para francês, José Terra traduziu uma antologia poética de Ruy Belo, com o título Une Façon de Dire Adieu (1995). Fonte: www.publico.pt
INSEGURANÇA
Tenho medo de ti, ó meu irmão,
Dessas palavras mansas tenho medo,
Se até as pedras ouvem o segredo
Guardado nos confins do coração...
Tenho receio, amor, dessa canção
Que tu me cantas, desse teu enredo,
Será teu corpo a nau para o degredo,
Teus braços nus as grades da prisão?
Minha mãe! minha mãe! não te confio
O meu destino e é vão esse teu pranto!
Não trairás acaso o filho amado?
Não me conheço nesta voz que rio,
Espreitam-me assassinos, e, no entanto,
É um criminoso o que ficar calado!
(Canto da Ave Prisioneira)
ESTE POEMA RESPIRA
Este poema respira. Em seus flancos
circula o sangue por artériasnovas.
Rasgo-lhe a boca e beijo-o. Dou-lhe os olhos
selvagens e esta inocência que é
a sua vida eterna. Entre os salgueiros
esconde o corpo e o sexo recentes.
Há um cheiro a resina, um cheiro vivo
a sêmen, sangue, suor, a flor carnívora.
Este poema é macho. Olhai seus músculos
retesos, suas ancas, seus artelhos,
seu sexo erecto, seu púbis, seus mamilos.
A primeira seta do sol fere-lhe os olhos.
Vede-o agora de rosto entre as mão limpando
a sujidade materna com seu pranto.
(Canto Submerso)
NO OBSCURO DAS MÃO...
No obscuro as mãos e só as mão, as puras
extremidades da matéria, as graves
e silenciosas, deambulantes formas,
as flores estranhas que pela noite sobem
com o seu peso de amargura e esperança,
modelando um sopro, um hálito, uma leve
flutuação da luza que é o suporte
da alma gasta pelas horas lentas.
No obscuro as mãos, trémulas, vivas,
asas buscando o corpo e o espaço,
densas flutuando, o reprimido
voo erguendo além dos olhos
até onde um toque subtil desgarre
a fonte oculta, o resplendor de um rosto.
(Espelho do Invisível)
OS DEUSES, SÓ DE OS PENSAR...
Os deuses, só de os pensar existem.
Quando me sento a esta mesa e deixo
que o pensamento se concentre, a flecha
fende os ares e o real e tomba
aonde os deuses libam o meu sangue.
Sanguessugas os deuses; e contudo
damos-lhes rostos para que se tornem
mais suportáveis no convívio absurdo
que nos impomos quando estamos sós.
São mudos os deuses. E é por isso
que o que não dizem nos isola e oprime.
Moscas são os deuses, quando zunem
no momento do sono, à nossa volta.
Por vezes riem e dançam, mas tão longe!
(Espelho do Invisível)
Página publicada em agosto de 2016
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